Este post é continuação do post: Porque não gosto muito dos trustes no planejamento sucessório – Parte I
Continuando o post anterior sobre
trustes, eu dizia que as transferências feitas pelos trustes para seus
beneficiários podem ser interpretadas como doações, ao invés de rendimentos.
Pessoalmente, não gosto muito
desta interpretação. Se levarmos em conta que o Brasil não reconhece abertamente
o truste como uma entidade em separado, as transferências do truste para a
própria pessoa que o instituiu podem ser consideradas até mesmo isentas de
tributação, por se assemelharem a saques de uma conta bancária
Por outro lado, se o truste
transfere dinheiro a um beneficiário que não seja o instituidor (ex: ao filho de
quem criou o truste), essa transferência pode ser considerada tanto uma doação
indireta do instituidor para o beneficiário (do pai para o filho, em nosso
exemplo) quanto uma renda do beneficiário (um rendimento do filho).
Em suma: a transferência de
dinheiro ou bens feita pelo truste para qualquer pessoa que mora no Brasil não
tem uma natureza jurídica muito clara. Permite várias interpretações.
Se adotarmos a linha que diz que
as remessas do truste equivalem a doações, alguns problemas muito especiais se
apresentam:
a)
Estas
transferências afetam a herança legítima (50% do patrimônio do instituidor do
truste) e podem levar a futuras disputas no inventário;
b)
Estas
transferências geram um ciclo de bitributação, da seguinte forma:
- Os valores já inseridos no truste, que, de modo geral, já pertencem ao instituidor e já estão livres de tributação sobre a renda, serão tributados quando da doação para o beneficiário residente no Brasil. Se a pessoa recebendo o dinheiro não for a mesma pessoa que criou o truste (se for o filho do instituidor), isso gerará uma rodada de tributação pelo ITCMD. Mas, se a remessa for declarada como uma doação para o próprio instituidor, Isto quer dizer que tributação desnecessária, como se o instituidor pagasse imposto para doar dinheiro a si mesmo.
- Os bens adquiridos com as “doações” serão futuramente inventariados quando o beneficiário morrer. Isso gerará nova cobrança de ITCMD. Ou seja, o dinheiro pagará ITCMD quando for retirado do truste e quando for remetido aos herdeiros, após o inventário.
- Alguns tipos de bem adquiridos com as “doações” podem gerar tributação por ganho de capital (mínimo de 15%) caso sejam futuramente vendidos. É o caso de carros, joias e ações.
Acho que está claro que o truste já não oferece mais a proteção que ele
oferecia no passado, quando a Receita Federal não estava tão atenta a ele (ou
tão cobiçosa para tributá-lo).
Qual seria a alternativa?
Eu gosto muito da abertura de empresas no exterior. As famosas sociedades “offshore”.
Eu gosto muito da abertura de empresas no exterior. As famosas sociedades “offshore”.
A Receita Federal reconhece a independência patrimonial de sociedades
constituídas no exterior. Por isso, as sociedades funcionam como um escudo
tributário para os rendimentos auferidos por ela e não distribuídos aos sócios.
Em consequência disso, temos:
a) Só
haverá tributação da pessoa física nos seguintes casos:
i. Distribuição
de lucros ao acionista pela offshore nível 1 (27,5%)
ii. Liquidação
parcial do capital da offshore nível ( tributação a partir de 15%)
iii. Realização
de despesas sem qualquer tipo de conexão comercial e em favor do sócio pessoa
física (gastar “no cartão da empresa”).
Ressalte-se que a sociedade estrangeira pode ser a dona direta de imóveis ou outros bens localizados no Brasil, sem que a mera aquisição do bem gere tributação.
A estrutura poderia ser desenhada assim:
Ademais, em caso de morte do dono das sociedades estrangeiras, há vários
benefícios tributários para os herdeiros.
Este assunto é um pouco complicado para este post, mas poderia ser
resumido assim:
- Por um lado, é possível que as ações das empresas localizadas no exterior sejam transmitidas diretamente aos herdeiros, sem necessidade de inventário no Brasil.
- Por outro lado, ainda que haja inventário no Brasil é possível que o valor a ser tributado pelo ITCMD não seja exatamente o valor que a empresa estrangeira mantém em caixa ou em ativos (ou seja, o valor das aplicações financeiras, valor de imóveis detidos pela empresa) mas uma outra cifra contábil, de valor menor. Por exemplo, o patrimônio líquido ou o valor de registro das ações. O resultado é a redução dos tributos sobre a herança devidos ao Brasil.
O mais importante é que os benefícios acima,
típicos de sociedades estrangeiras (“offshore”) nem sempre estão disponíveis
para os trustes. Isso me leva a concluir que, considerando
leis vigentes hoje, o uso de sociedades estrangeiras para planejamento sucessório
é mais seguro e vantajoso para clientes brasileiros do que a instituição de
trustes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários servem para discussões teóricas e para comentários políticos e econômicos. Se você precisa de auxílio em matérias de Direito Internacional, escreva para contato@adler.net.br.