O
mercado de Bitcoins e de criptomoedas em geral ainda é imaturo. Como todo
mercado imaturo, ele está sujeito à fragmentação do preço.
Quer dizer, o preço do produto sofre picos geograficamente
localizados de oferta e demanda. Além disso, a variação de preço entre mercados
não está diretamente associada a quesitos já mapeados pelos comerciantes que
trabalham com comércio internacional, tais como custo de transporte, tributos,
etc.
Tem muita gente do mundo inteiro estudando para
ver se encontra a fórmula que indicará o preço do bitcoin. Tenho lidos trabalhos
de pesquisa econômica que tratam deste assunto. Há várias linhas de pesquisa.
Por exemplo, há quem estudo os aspectos geopolíticos (Brexit, eleição do Trump,
etc.). Outros fazem análises estatísticas relacionadas à variação das
principais moedas (euro, dólar, iene). Existem também estudos que focam na área
técnica e tentam prever o preço com base na velocidade de mineração de novos bitcoins
ou com base em outras condições técnicas.
Do meu lado, eu noto que os aspectos jurídicos
e regulatórios das criptomoedas têm um impacto muito grande nos preços.
Todos os relatórios que estudei destacam a
Índia como um dos mercados em que a discrepância de preços é mais acentuada em
comparação com as principais bolsas americanas e europeias. Não por acaso, a lei indiana impõe muitas
restrições a remessas internacionais de dinheiro.
Tenho
clientes indianos e todos eles sofrem para enviar capital ao Brasil ou para
receber lucros brasileiros na Índia. O sistema de controle de capitais
estrangeiros é excessivamente burocrático e centralizado.
Os rígidos controles cambiais sobre remessas ao
exterior tornam difícil comprar bitcoins fora do país. Assim, os indianos ficam
ilhados e praticamente não conseguem comercializar criptomoedas com o resto do
mundo. Como a procura por lá é grande e não há “importação” de estoques
complementares, o preço sobe.
Nisso,
como em várias outras coisas, a economia brasileira é similar à da Índia.
O que
é diferente é que o problema brasileiro não é sistêmico. Em teoria, a lei da
nossa Terra de Santa Cruz impõe pouca restrição à compra e venda de moeda
estrangeira. Para se adquirir, digamos, 10 milhões de reais em bitcoins junto a
bolsas americanas, não é preciso obter autorização do Ministério da Indústria
ou do Presidente. Basta enviar o dinheiro, via um banco ou uma corretora.
O problema da arbitragem de bitcoins no Brasil
não é a estrutura burocrática, mas o dia a dia da burocracia cambial e do
compliance.
Vou explicar.
1. MODELOS JURÍDICOS TEÓRICOS PARA A ARBITRAGEM
Até os
momentos, os bitcoins são tratados para fins cambiais como bens intangíveis que
não estão sujeitos à tributação relativa a direitos autorais, software ou
serviços.
Isso é
importante porque sua “importação” não paga imposto de renda, PIS/COFINS, CIDE ou
qualquer outro tributo.
Neste
sentido, eu diria que os bitcoin se parecem muito com ações de empresas ou com
opções financeiras (contratos de opção, futuros). São coisas que valem dinheiro,
mas cujo comércio não está sujeito a tarifas ou a controles alfandegários.
Assim sendo, teoricamente a compra de bitcoins
no exterior para revenda no Brasil constituir-se-ia dos seguintes passos:
a)
Mandar
dinheiro para o vendedor de bitcoins no exterior, pagando somente o IOF;
b)
Receber
os bitcoins, por via eletrônica;
c)
Vender
os bitcoins no Brasil, pagando os tributos aplicáveis (Imposto de Renda sobre
ganho de capital, se for uma pessoa física, ou tributação do Simples/Lucro
Real/Lucro Presumido, se for uma pessoa jurídica);
d)
Com
o dinheiro da venda, comprar mais bitcoins no exterior.
Mas todo mundo que opera no mercado verifica
que não é assim que funciona.
2. PROBLEMAS
PRÁTICOS COM A OPERAÇÃO
O primeiro problema é que poucos bancos ou
corretoras aceitam trabalhar com negociações de Bitcoin. Que eu conheça, apenas
dois ou três.
O segundo problema, e este mais difícil de
resolver, é que as corretoras costumam atribuir um limite de câmbio para as pessoas
físicas. Por exemplo, 100 mil reais por ano para um profissional, ou 20 mil
reais por ano para um adolescente. Uma vez que este limite é “gasto” (quando
transações totais superam este valor) a instituição financeira passa a julgar
que as transferências não têm lastro e trava o cadastro do cliente.
A maneira
de “destravar” o cadastro é comprovar que a origem do dinheiro que será
remetido ao exterior é lícita. Todavia, é difícil comprovar isto porque a maior
parte das pessoas vende os bitcoins em bolsas que não disponibilizam dados completos
dos compradores.
E, ainda que isso acontecesse, as empresas
financeiras podem questionar, muito corretamente, onde está o registro de
empresário do comerciante de bitcoins, já que ele está praticando uma atividade
empresarial (compra e venda habitual de ativos). Ninguém tem isso prontamente.
Abro um parêntese para dizer que minha
avaliação da legislação brasileira é que ela é razoavelmente equilibrada, com um
pouco de tendência para a super-regulação. Mas, definitivamente, não é uma
regulação tirânica. O motivo pelo qual eu digo isso é que nosso país tem um
problema seríssimo de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas. Os bancos
precisam se proteger contra isso. Mas esse tipo de proteção é difícil de fazer
quando o dinheiro ilegal está espalhado pelo mercado.
Mas,
voltando ao assunto: outro obstáculo é que algumas bolsas de bitcoins no
exterior não permitem que se “credite” dólares para usuário quando os dólares
vêm de ordens internacionais. Especialmente nos EUA, é comum que as bolsas
aceitem somente transferências bancárias ou cheques.
Finalmente, existem o problema da demora na
transação. A remessa de dinheiro ao exterior não pode ser feita continuamente.
Sempre haverá um ou dois dias de demora para a análise do compliance, mais um
ou dois dias em que o dinheiro estará em trânsito. Nesse meio tempo, pode haver variação de taxas
de câmbio, variação brusca no preço ou mudança da alíquota de IOF, o que
arruinaria o negócio.
3. MODELO
ADEQUADO À REALIDADE
Levando tudo isso em conta, e após conversar
com vários operadores do mercado de câmbio e com gente que estuda o “compliance”
(programas de integridade), cheguei a um modelo que me parece suficiente para
cumprir as normas brasileiras e ainda permitir que o negócio funcione.
1)
Inicialmente,
é preciso constituir uma empresa no Brasil (EIRELI ou sociedade limitada ou S/A).
Neste post não será possível falar sobre os
detalhes desta empresa, tais como capital social, objeto, etc. Mas todos esses
tópicos são relevantes e influenciam o modelo.
2)
O
segundo passo é que os mesmos sócios da empresa brasileira devem constituir uma
empresa no exterior.
Essa
empresa pode estar localizada num paraíso fiscal (as chamadas “offshore”) mas
também pode estar numa jurisdição comum. Tenho observado que Estados Unidos,
Inglaterra e Escócia funcionam. Mas o Uruguai, Panamá e Hong Kong também podem
servir.
A escolha exata da jurisdição depende das
bolsas de bitcoin e dos bancos que se pretende utilizar.
3) Os
sócios devem capitalizar a empresa estrangeira;
4) A
empresa estrangeira deve comprar bitcoins no mercado alvo (onde o bitcoin é
mais barato);
5)
Os
bitcoins devem ser revendidos para a empresa brasileira.
Este ponto é importante. Você NÃO deve comprar
bitcoins no exterior, transferi-los para sua carteira no Brasil e revender os
bitcoins no Brasil, como se eles fossem seus. Os Bitcoins comprados pela
empresa estrangeira pertencem à empresa estrangeira e precisam ser transferidos
para a empresa brasileira.
Esta
transferência deve ser dar por meio de uma venda, não de uma doação.
Existe um princípio em comércio internacional
chamado “arm`s length”. Ele diz que as transações dentro de um grupo econômico
devem ser feitas como se as duas empresas não se conhecessem (como se houvesse
entre elas a distância mínima que normalmente há entre duas pessoas, mais ou
menos um braço).
Nenhuma empresa no mundo daria bitcoins para
uma empresa brasileira de graça. A empresa desta estrutura também não vai dar.
Ela vai vendê-los, por um preço compatível com o mercado.
O valor exato dependerá de muitos fatores e
também da regulação sobre preços de transferência (“transfer pricing”) vigentes
no país em que a empresa está localizada.
O que é possível adiantar é que sempre se buscará a venda pelo menor
preço possível, para que a empresa estrangeira não acumule lucros desnecessariamente.
A venda deve ser documentada com contrato de
compra e venda, invoice e outros documentos. Neste modelo, a empresa brasileira
provavelmente comprará bitcoins a prazo, estipulando pagamento num prazo de 03
a 15 dias.
6) A
empresa brasileira receberá os bitcoins e os venderá no Brasil.
A venda pode ser feita em bolsas comuns.
Todavia, seria melhor que a venda fosse feita em grandes lotes para compradores
qualificados, que pudessem ser claramente identificados. Desta forma, a empresa
poderia manter uma contabilidade mais completa a respeito da venda, o que
certamente ajudará na etapa seguinte.
7)
Envio
de pagamento ao exterior, com ou sem aumento do montante total (reinvestimento
dos lucros)
Após realizar a venda no Brasil e auferir lucro
no Brasil, a empresa brasileira deverá ter no caixa o valor original dos
bitcoins, mais o lucro bruto.
Exemplo: Bitcoins comprados por 50 mil reais e
revendidos por 55 mil reais. Ao final, a empresa brasileira terá 55 mil em
caixa.
A empresa deverá recolher os tributos devidos e
apurar o lucro líquido. A tributação vai depender de uma questão jurídico-contábil
(se os bitcoins eram estoque ou ativo fixo).
O
detalhamento contábil da venda local é a chave deste modelo. Um bom balanço,
elaborado por um bom contador, dará segurança à corretora de câmbio para
continuar a efetuar transações com bitcoins para a empresa brasileira. E, acima de tudo, permitirá que a ordem seja
analisada e aprovada rapidamente.
Eu acredito que seja possível enviar 02 ordens
ao exterior por semana. Mas tenho clientes que dizem conseguem às vezes enviar 03.
Após a
apuração do lucro líquido, a empresa terá duas opções principais.
a)
Pagar
os bitcoins inicialmente comprados da empresa estrangeira, por meio de remessa
de câmbio, e reiniciar o ciclo;
b)
Pagar
os bitcoins e ainda aumentar o capital social da empresa estrangeira, a fim de
aumentar a aposta;
4. EVOLUÇÃO
DO MODELO
Este é
um modelo bastante simplificado. Um modelo real deve levar em conta também:
· -Taxa de operação das
bolsas de bitcoin;
· -Variação cambial;
· -Custos financeiros da
transação (IOF, taxas).
Outra
opção é tornar a operação mais financeira, por meio de dois institutos:
a.
Uso de uma central de caixa, que emprestará
dinheiro continuamente para a empresa situada no exterior. Esta central de
caixa pode estar localizada num paraíso fiscal, por exemplo;
b.
Uso
de contratos de opção e futuros. Por meio deles, a empresa brasileira não
compraria os bitcoins, mas apenas a opção de comprar os bitcoins, ou o dever de
pagar um preço definido pelo bitcoin, em data futura. O uso inteligente destes
contratos permite que a empresa brasileira trabalhe com o “mesmo dinheiro”
várias vezes antes de ser obrigada a efetivamente pagar por cada um dos
bitcoins comprados da empresa estrangeira.
O assunto é pouco estudado e
este modelo é o primeiro que consegui conceber. Com o tempo, ele provavelmente
vai evoluir para uma estrutura mais ágil.
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