Nele, a Receita deu um leve perdão tributário para os bens guardados no estrangeiro. A data limite para o perdão era 2014 (posteriormente ampliada para bens existentes até o fim de 2015).
Todavia, TODO MUNDO sabia que a Receita usaria os dados acumulados para perseguir os contribuintes, quanto aos rendimentos obtidos depois de 2014/2015.
Afinal, a Receita teria os nomes das empresas mantidas no exterior, os números de suas contas bancárias e a lista de bens que elas possuíam até 2014. Bastaria, depois disso, solicitar uma atualização.
Foi exatamente o que ela fez. Mas ela adotou métodos sórdidos. Abaixo da baixa reputação que a precede.
Um pessoa apresentou consulta tributária perguntando se, ao vender as cotas/ações de uma empresa que possuía no exterior, deveria tributar o resultado como ganho de capital (que paga menos imposto) ou como rendimento pessoal (que paga mais imposto).
Antes de comentar a resposta da Receita, é preciso que o leitor saiba que já é conhecimento tradicional e fundamental que a venda de ações e quotas equivale à venda de imóveis, no sentido de que o dinheiro que vem da venda é um ganho auferido via bens (portanto, um ganho de capital) e não um ganho auferido via trabalho (o que seria próximo a um salário).
Além disso, é princípio básico, mas muito básico, essencial ao direito empresarial, que o patrimônio da empresa é um e o patrimônio do sócio é outro. Ou seja, se você tem uma ação da Petrobrás, você não é dono do petróleo da Petrobrás. Da mesma forma, o carro da empresa não é do diretor da empresa. E por aí vai.
Mas o analista da Receita reverteu todo o conhecimento acumulado de séculos da ciência contábil e do direito empresarial, por meio da frase abaixo:
Porém, na devolução do capital em dinheiro não existe alienação, pois o
capital devolvido não havia deixado de ser propriedade do acionista/quotista/titular em
referência.
Em outras palavras, o analista está dizendo:
Se você vende suas quotas/ações na verdade você não está vendendo, porque as quotas e o dinheiro que as representa são a mesma coisa, então vender ou não vender dá no mesmo.
Esta conclusão está errada em muitos níveis. A começar pelo nível linguístico e simbólico. O analista está dizendo que o BEM, que vale dinheiro, é a mesma coisa que o dinheiro em si, porque foi comprado com dinheiro.
Mas, se isso fosse verdade, não haveria diferença entre dinheiro e bens. Ou seja, se eu usei dinheiro para comprar um bezerro, depois esperei o bezerro crescer e vendi sua carne, o analista está me dizendo que isso seria o mesmo que eu não tivesse feito nada, porque dinheiro, bezerro e carne são tudo a mesma coisa.
Mas, se isso fosse verdade, não haveria diferença entre dinheiro e bens. Ou seja, se eu usei dinheiro para comprar um bezerro, depois esperei o bezerro crescer e vendi sua carne, o analista está me dizendo que isso seria o mesmo que eu não tivesse feito nada, porque dinheiro, bezerro e carne são tudo a mesma coisa.
É claro que ele só está dizendo isso porque está tratando de bens altamente abstratos e simbólicos, já que as ações representam a propriedade de algo puramente intelectual, que é uma sociedade empresária. O processamento de verdades como essa exige do cérebro humano uma característica muito especial, que amiúde míngua entre os burocratas.
Talvez, se o consulente tivesse feito a consulta perguntando se haveria ganho de capital ao comprar e vender uma planta de esterco, a Receita Federal teria tido a bondade de dizer que papel-moeda e esterco são a mesma coisa.
Seriam, doravante, caminhões de esterco fresco entregues à Receita Federal todos os dias, por felizes contribuintes, pedagogicamente demonstrando aos cobradores de impostos a diferença entre torrões e dobrões.
Notícia sobre o caso:
Link para a decisão da Receita;
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