segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Residência fiscal na saída e entrada no Brasil | Valor Econômico

Excelente artigo da Dra. Verônica Melo de Souza. 


Como sempre digo a meus clientes, o sistema brasileiro para caracterização de residência tributária é caótico. É preciso mil cuidados e planos para determinar bem quando se sai do país e quando, formalmente, se retorna a ele.

Tudo isso afeta também a manutenção de contas de não residente, a realização de investimentos em bolsa, os contratos de aluguel de imóveis deixados no Brasil, etc. 






Residência fiscal na saída e entrada no Brasil | Valor Econômico:



Seguindo o fenômeno mundial da existência de um fluxo migratório cada
vez mais intenso, um número considerável de brasileiros estão se
retirando do país para estabelecer residência no exterior. A sua vez, o
combate à fraude e a anistia fiscal e cambial de 2016 (RERCT) fez crescer a
procura de regularização pelos que se retiraram do país sem informar à Receita Federal, ou para aqueles que pretendem retornar ao país. Ocorre que à legislação brasileira - a qual se submete também a regras de tratados internacionais de não tributação (tie breaker rules) - falta clareza e
objetividade.


Nesse contexto, para fins de não residência no Brasil, a Instrução Normativa
208/2002 da Receita determina que se considera não residente o indivíduo
que: (i) não resida no país em caráter permanente; (ii) que se retire em
caráter permanente do território nacional; ou (iii) que se ausente do Brasil
em caráter temporário, após completados 12 meses de sua ausência, dentre
outras hipóteses. Até aí poderia parecer simples diagnosticar a caracterização
ou não de residência no país.

Entretanto, é preciso amoldar cada situação individual à obrigação de se
prestar informações às autoridades competentes. Primeiramente, o indivíduo
que atualmente se ausente do território nacional fica obrigado a apresentar
"Declaração" de Saída Definitiva do País, obrigatória e sujeita à multa pecuniária, presente no mesmo programa da declaração de IR das pessoas físicas (DIRPF).



A "Declaração" de Saída
Definitiva pode ser preenchida retroativamente, sem, contudo, resultar na
isenção da multa pela não apresentação no prazo correto.
O realce à palavra "declaração" de saída é feito aqui com o intuito de divisar a
"declaração" da "comunicação" de saída, sendo esta um elemento
perturbador do regime de aquisição e renúncia da residência fiscal no Brasil.
De fato, desde 2010, todo aquele que se ausenta do país também deverá
apresentar a "Comunicação" de Saída Definitiva. Diferentemente da
"declaração" de saída, a "comunicação" de saída não possibilita o
preenchimento retroativo, e não está sujeita à multa pela falta de
apresentação no prazo correto.
Por outro lado, não há, como seria de se supor, uma "comunicação de
entrada", sendo este o papel da primeira "declaração" de renda (DIRPF),
dificultando a regularização quando do retorno de brasileiros ao Brasil, e,
assim, do regresso de capitais, notadamente quando o contribuinte
continuou apresentando declaração aqui, mesmo após sua saída.
Ocorre que toda essa complexidade não existia até 2010, quando foi
instituída a "comunicação" de saída.



O artigo 16 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 nunca exigiu, e até hoje não exige, esta "Comunicação", se
limitando a tratar da "declaração" de saída, que deve incluir a relação de bens
e rendimentos do ano-calendário anterior ao da saída.
Esse cenário, além de potencializar dúvidas e conflitos, ocasiona uma das
situações mais dolorosas para contribuintes que buscam sua regularização: a
declaração de suspensão ou inativação do CPF. Tais hipóteses são agravadas
pelo fato de nem Receita nem Banco Central possuírem um canal de
comunicação para sanar dúvidas ou orientação a respeito, como acontece em
outros países.
Até um passado não distante (2008), a Receita Federal exigia que as pessoas
que fossem isentas da DIPF a apresentar a Declaração Anual de Isento, sob
pena de cancelamento do CPF após dois anos sem sua apresentação. Embora
se tratasse de uma declaração a mais, tinha ao menos o mérito de evitar que
as pessoas fossem surpreendidas pela suspensão ou cancelamento do CPF,
incapacitando-as para alguns atos no Brasil (movimentação de contas,
aquisição de bens etc.), sendo situação rotineira para pessoas que se
ausentaram do país.
Por tudo, embora todo esse emaranhado normativo tenha sido a forma de
Receita e Banco Central estabelecerem um controle sobre aquisição e baixa
da residência fiscal brasileira, a verdade é que a "comunicação" de saída não
pode ser entendida como prova absoluta e atemporal, para determinar se
uma pessoa é ou não residente fiscal no Brasil. Primeiramente porque tal não
está previsto na lei, nem tampouco pode-se dizer que a Instrução Normativa
interpreta a lei, ou o regulamento, já que os comandos de um e do outro são
antinômicos e não se integram.
Assim, a natureza da Comunicação de Saída Definitiva deve ser entendida
apenas como declaratória e não instituidora da caracterização de não
residente. Em outras palavras, a residência ou não residência do contribuinte
se define pelo seu animus de permanência (ou não), conforme os elementos
definidos pela legislação.
Diante do cenário acima, é importante que, do ponto de vista estrutural, a
legislação se adapte ao cenário atual, adequando-se ao incremento
exponencial do fluxo migratório.



E sob uma perspectiva individual, que
aqueles que desejem se ausentar ou retornar ao Brasil incluam em seu
planejamento a análise das questões junto à Receita Federal do Brasil e
Banco Central, além de avaliar as regras domésticas de tratamento fiscal em
ambos países. Com isso se evita não só que seja exigido sobre seus
rendimentos, imposto em duplicidade, mas também o surgimento de
pendências de difícil ou insolúvel resolução, referentes ao CPF brasileiro.

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