Este é um excerto de um artigo que publiquei há alguns anos, tratando da regulação de contratos internacionais entre os países do BRIC.
Na época, eu era mais otimista em relação à integração do bloco. Hoje, tenho visto que o bloco tende muito para os interesses econômicos chineses e que sua integração traz, juntamente com a liberação do comércio, vários compromissos políticos na esfera internacional.
De modo que ando feliz pelo lado das trocas comerciais, mas muito casmurro quanto aos efeitos políticos dessa união.
Neste post, estou me concentrado no que o bloco tem de bom: a harmonização jurídica que favorece as trocas comerciais.
[7] Enforcement of
Arbitration Awards in Russia and Ukraine: Dream or Reality? ABA. Disponível em http://meetings.abanet.org/webupload/commupload/IC855000/relatedresources/EnforcingArbitrationAwardsinRussiaandUkraineCLEMaterials.pdf
Na época, eu era mais otimista em relação à integração do bloco. Hoje, tenho visto que o bloco tende muito para os interesses econômicos chineses e que sua integração traz, juntamente com a liberação do comércio, vários compromissos políticos na esfera internacional.
De modo que ando feliz pelo lado das trocas comerciais, mas muito casmurro quanto aos efeitos políticos dessa união.
Neste post, estou me concentrado no que o bloco tem de bom: a harmonização jurídica que favorece as trocas comerciais.
4 O ORDENAMENTO
JURÍDICO DOS BRICs E A ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL
4.1 Apontamentos
Gerais
Sendo a arbitragem um tema amplo, este capítulo concentrar-se-á
apenas nas normas essenciais de cada um dos países BRIC a esse respeito.
Numa primeira análise,
percebe-se que todos os países em estudo reconhecem a validade da cláusula
contratual de arbitragem, e inclusive a possibilidade de execução de laudos
arbitrais estrangeiros. A seguir,
algumas considerações pontuais:
4.2 A Arbitragem na China
A arbitragem na China é
regulamentada pela Lei de Arbitragem da República Popular da China, de 1994[1]. Essa lei tem clara inspiração na Uncitral, o
que facilita sua interpretação.
Via de regra, todas as
disputas comerciais privadas poderão ser submetidas à arbitragem. Os temas
vedados pela referida lei estão listados no Art. 3.
Artigo
3
As
seguintes disputas não deverão ser submetidas à arbitragem:
1
disputas sobre casamento, adoção, guarda, manutenção de criança e herança; e
2
disputas administrativas englobadas na jurisdição do órgão administrativo
relevante de acordo com a Lei.
A China adota o sistema de
total vedação do recurso a tribunais internos em casos sujeitos à arbitragem
conforme artigo 5° da Lei de Arbitragem e o artigo 257 da Lei Processual Civil.
Artigo
5
Uma
corte popular não deverá aceitar uma ação iniciada por uma das partes se as
partes houverem concluído uma convenção arbitral, salvo se a convenção arbitral
for inválida.
A lei chinesa não cria a
obrigação de que todas as arbitragens sejam conduzidas em território nacional e
a sentença arbitral estrangeira poderá ser executada prontamente (não há a
necessidade de homologação por um tribunal). Todavia, o juiz pode negar
cumprimento ao laudo se considerar que a decisão viola normas peremptórias
internas.
A China desestimula, contudo, a recusa do
cumprimento de laudos arbitrais estrangeiros com base na ordem pública. Os
tribunais chineses obedecem a um mecanismo segundo o qual, caso desejem recusar
o cumprimento de um laudo arbitral estrangeiro, devem primeiro obter
autorização de um tribunal superior. Após a implantação deste sistema, em 1995[2], pouquíssimos
laudos estrangeiros tiveram o seu cumprimento frustrado.
Outro ponto notável é que a
lei chinesa, a fim de incentivar a utilização de instituições de arbitragem e
aprimorar, desta maneira, a assistência recebida pelas partes, proíbe as
arbitragens ad hoc. As partes sempre devem levar sua disputa a uma
instituição arbitral regularmente constituída
Artigo
6
Uma
comissão de arbitragem deverá ser selecionada pelas partes por acordo.
A
jurisdição por sistema de níveis e o sistema de jurisdição distrital não se
aplicam à arbitragem.
A CIETAC - China International
Economic and Trade Arbitration Commission - é uma das instituições mais
conhecidas.
4.3 A Arbitragem na Índia
Na Índia, a lei que regula a
arbitragem é a Lei de Arbitragem e Conciliação de 1996, que revogou a lei de
arbitragem anterior, de 1940, a fim de melhor se adequar à Lei Modelo de
Arbitragem da UNCITRAL e à dinâmica dos negócios internacionais. Além disso,
outras leis internas também são relevantes, como o seu Código de Processo
Civil, de 1908 (Civil Procedure Act).
O caráter modernizante da Lei
de Arbitragem de 1996 foi reconhecido pela Suprema Corte Indiana no caso Konkan Railway Corporation versus Mehul
Construction Co.:
“Para
atrair a confiança da comunidade mercantil internacional e [atender] às
necessidades do crescente volume dos relacionamentos comerciais e negociais da
Índia com o resto do mundo após a nova política de liberalização adotada pelo
governo, os parlamentares indianos convenceram-se a adotar a Lei de Arbitragem
e Conciliação de 1996 conforme o modelo da UNCITRAL; daí advém que, ao
interpretar as provisões da Lei de 1996 as cortes não devem ignorar os
objetivos do diploma. Uma comparação simples entre as diferentes provisões da
Lei de Arbitragem de 1940 e da lei de Arbitragem e Conciliação de 1996 indica,
inequivocamente, que a Lei de 1996 limita a intervenção judicial ao mínimo[3]. (Sumeet Kachwaha; THE ARBITRATION LAW OF INDIA: A CRITICAL ANALYSIS;
Asia International Arbitrational Journal, Volume 1, Number 2, Pages 105-126.) (tradução nossa)
A Lei de Arbitragem de 1996
aplica-se também à arbitragem Internacional. A seção 2(1)(f) define Arbitragem
Comercial Internacional como aquela relativa a disputas nascidas de relações
jurídicas consideradas comerciais segundo o Direito Indiano, e em que pelo
menos uma das partes é: uma pessoa física nacional de outro país ou residente
em outro país; uma pessoa jurídica registrada em outro país, uma empresa ou
associação cujo gerenciamento central e controle estejam num país que não a
Índia ou se uma das partes é o Governo de um país estrangeiro.
A Índia admite a possibilidade de executar
os laudos arbitrais estrangeiros diretamente perante o tribunal competente, sem
necessidade de homologação. De fato, o Artigo 47[4]
da Lei de Arbitragem de 1996 menciona expressamente que, para as arbitragens
internacionais executáveis em solo indiano conforme as disposições da Convenção
de Nova Iorque, basta à parte apresentar ao tribunal o laudo original da
arbitragem, a convenção arbitral e evidências de que se trate de uma arbitragem
internacional.
A lei indiana prevê a possibilidade de
recusa de execução de um laudo arbitral internacional somente em raros casos,
todos em linha com os princípios da Uncitral (Ex: se as partes eram incapazes
ou em arbitragens sobre matérias que digam respeito à ordem pública indiana).
4.4 A
Arbitragem na Rússia
A arbitragem comercial na
Rússia possui um histórico de mais de um século de tradição. Atualmente, há uma
lei destinada especificamente à arbitragem internacional, a Lei Federal sobre
Arbitragem Comercial Internacional, de 1993, inspirada amplamente na Lei Modelo
de Arbitragem da UNCITRAL.
Arbitragens ad hoc são
permitidas na Rússia, ainda que seja mais comum o envio a instituições de
arbitragem, como a Corte de Arbitragem Comercial Internacional da Câmara de
Comércio e Indústria de Moscou. Curiosamente, a Câmara de Comércio de
Estocolmo, na Suécia, também é uma escolha tradicional na resolução de disputas
relativas a investimentos estrangeiros na Rússia.
4.4.1 Escopo de aplicação
O Art. 1 da lei de arbitragem
comercial internacional delimita bem o âmbito de aplicação da arbitragem
internacional:[5]
Disputas
resultantes de relacionamentos contratuais ou outras relações civis que surjam
no curso do comércio exterior ou outra forma de relações econômicas
internacionais, desde que o domicílio de pelo menos uma das partes situe-se no
exterior, assim como
Disputas entre
empresas que tenham capital estrangeiro, entre associações internacionais e
organizações estabelecidas no território da federação russa; disputas entre os
membros de tais entidades, disputas entre as referidas entidades e quaisquer
outras pessoas sujeitas às leis da Federação Russa.
4.4.2. Matérias
não arbitráveis
Embora a lei de arbitragem
internacional permita a arbitragem em matérias virtualmente ilimitadas, desde
que incluídas na esfera comercial, a lei interna de arbitragem da Rússia (O
Código Arbitral da Federação Russa) apresenta uma lista considerável de
matérias sobre as quais não é possível afastar a jurisdição estatal regular.
São elas[6]:
1.
Assuntos da administração e ordem públicas (Ex: disputas
tributárias);
2.
Falências;
3.
Constituição e liquidação de pessoas jurídicas;
4.
Disputas entre companhias e seus acionistas ou cotistas;
5.
Disputas sobre fundo de comércio.
Caso uma das partes do conflito seja uma
entidade estrangeira, a lista de jurisdição exclusiva estende-se também aos
conflitos sobre:
1.
Propriedade
estatal, incluindo privatizações;
2.
Imóveis;
3.
Registro
de marcas e patentes;
4.
Registros
públicos.
A avaliação dessas matérias
revestir-se-á de grande importância por ocasião da execução de laudos arbitrais
estrangeiros. Mais detalhes no tópico 4.4.4.
4.4.3 Escolha da lei aplicável
O artigo 28 da lei de
arbitragem internacional da Rússia franqueia às partes a escolha da lei
substantiva aplicável ao conflito.
A redação do artigo merece
elogios, pois embute também outras regras extremamente úteis. São elas: (i) caso
as partes não indiquem a lei aplicável, o tribunal aplicará a lei de conflito
de leis que julgar adequada para determinar qual lei material regerá a
arbitragem; (ii) em todos os casos, o tribunal deve decidir de acordo com os
termos do contrato e com os usos do comércio aplicáveis à transação.
4.4.4
Execução de laudos arbitrais internacionais
A lei
russa é extremamente favorável à execução de laudos arbitrais estrangeiros.
Tanto pelas disposições próprias da Lei de Arbitragens Internacionais quanto
pela aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958.
As
razões para a negação de execução de um laudo arbitral estrangeiro são basicamente
as mesmas elencadas pela lei modelo da Uncitral, incluindo incapacidade das
partes e vício na formação do tribunal arbitral.
Duas
exceções, contudo, são causa de preocupação.
O parágrafo 2º do artigo 36 menciona que não serão executados os laudos
que versem sobre matérias não passíveis de arbitrabilidade segundo a lei russa
ou que seja contrária às políticas públicas (ou normas públicas).
Essas
duas últimas exceções foram, em diversos casos, utilizadas por cortes russas
para negar exequibilidade a laudos prima
facie legítimos. Situações como essas renderam às cortes do país a
reputação de serem hostis aos laudos proferidos em outros países.
Para ilustrar o caso, cite-se
um artigo publicado sob os auspícios da Associação dos Advogados dos Estados
Unidos[7]:
Uma
vez que a lista de razões para a recusa de execução é limitada pela Convenção
de Nova Iorque, a violação da ordem pública frequentemente serve como a ultima ratio para a rejeição da
execução. Em algumas instâncias, a ordem pública é entendida pelos tribunais
muito vagamente. Um caso notório tem sido mencionado tantas vezes entre
advogados e pela mídia que se tornou praticamente uma anedota. No caso United
World Ltd. v Krasny Yakor (Red Ancor) a corte negou exequibilidade a um laudo
arbitral cujo valor era menor que 40 mil dólares sob a alegação de que tal
execução levaria a Red Ancor à falência, causando sérios danos à economia
regional da sede da empresa e também à economia russa. Portanto, esses danos
estariam em conflito com os interesses públicos da Rússia.
Apesar de o caso citado ser bastante
dramático, o fato é que, recentemente, a execução de laudos arbitrais
estrangeiros na Rússia tem se tornado mais frequente e livre de surpresas[8],
indicando avanços na percepção das cortes sobre a importância deste valioso
instrumento das relações comerciais internacionais.
[1] A versão traduzida da Lei de Arbitragem da China encontra-se
no blog do autor: .
[2] Implantado por uma Interpretação da Suprema Corte do
Povo da China, o órgão máximo de seu poder judiciário. Suas interpretações são
semelhantes às súmulas dos tribunais superiores brasileiros, e têm a função de
guiar os juízes na interpretação da lei.
[3] To attract the confidence of International
Mercantile community and the growing volume of India’s trade and commercial
relationship with the rest of the world after the new liberalization policy of
the Government, Indian Parliament was persuaded to enact the Arbitration &
Conciliation Act of 1996 in UNCITRAL model and therefore in interpreting any
provisions of the 1996 Act Courts must not ignore the objects and purpose of
the enactment of 1996. A bare comparison of different provisions of the
Arbitration Act of 1940 with the provisions of Arbitration & Conciliation
Act, 1996 would unequivocally indicate that 1996 Act limits intervention of
Court with an arbitral process to the minimum.
[4] 47.
Evidence. - (1) The party applying for the enforcement of a foreign award
shall, at the time of the application, produce before the court (a) the
original award or a copy thereof, duly authenticated in the manner required by
the law of the country in which it was made; (b) the original agreement for
arbitration or a duly certified copy thereof; and (c) such evidence as may be
necessary to prove that the award is a foreign award.
[5] Article 1 - Scope of Application
1. The present Law applies to international commercial
arbitration if the place of arbitration is in the territory of the Russian
Federation. However, the provisions of Articles 8, 9, 35 and 36 apply also if
the place of arbitration is abroad.
2. Pursuant to an agreement of the parties, the
following may be referred to international commercial arbitration:
- disputes resulting from contractual and other civil
law relationships arising in the course of foreign trade and other forms of
international economic relations, provided that the place of business of at
least one of the parties is situated abroad; as well as
- disputes arising between enterprises with foreign
investment, international associations and organizations established in the
territory of the Russian Federation; disputes between the participants of such
entities; as well as disputes between such entities and other subjects of the
Russian Federation law.
[6] Artigo disponível em http://meetings.abanet.org/webupload/commupload/IC855000
/relatedresources/EnforcingArbitrationAwardsinRussiaandUkraineCLEMaterials.pdf
[8] Conforme o artigo: Enforcement of Foreign Arbitral Awards in Russia:
Improving, But Still Uncertain. C.M. Baker, J. Sutcliffe, K. Wilson e
K.H. Romman, Disponível em www.ogel.org.
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