O Novo Marco Civil da Internet, que deve
entrar em vigor no final de junho de 2014, é uma lei complexa, incluindo
políticas públicas, padrões técnicos e direitos do consumidor. A lei também
contém dispositivos preocupantes, que permitem que o Estado monitore de perto
usuários da internet e conteúdos publicados na internet, o que se parece com
censura.
Neste artigo, irei focar nos
dispositivos regulando direito internacional privado e contratos internacionais
relacionados com a internet.
Abordagem
geral
A lei brasileira sobre conflitos de
normas tem sido historicamente baseada no domicílio das partes contratantes.
Isto é, geralmente a lei brasileira será aplicada a contratos executados no
brasil e não será aplicada a contratos celebrados no exterior. A nacionalidade
das partes não é importante neste contexto.
No caso de contratos entre partes que
estejam fisicamente distantes, a lei brasileira estabelece que a lei do país de
residência daquele que faz a proposta deve ser a lei aplicável.
Uma vez que contratos via internet não
têm um lugar onde são assinados, e uma vez que a maior parte dos distribuidores
de software, aplicativos e outros serviços de internet não estão localizados no
Brasil, a aplicação das leis brasileiras irá geralmente pender para a lei do
país do distribuidor (considerando que o distribuidor – vendedor – é
tipicamente aquele que propõe os termos).
O governo brasileiro parece ter se
ressentido desta situação. A nova lei de internet reflete essa posição e adotou
um atalho legal para permitir o uso da lei brasileira em contratos celebrados
por meio de ambientes virtuais. O Marco Civil determina que sempre que um
terminal estiver localizado no Brasil, a residência legal da parte utilizando o
terminal também deve ser o Brasil. E que qualquer transação via internet (ou
troca de informações), realizada por meio de um terminal localizado no Brasil
deve estar sujeita à lei brasileira.
Terminal, na definição jurídica, é
qualquer dispositivo capaz de acessar internet. A partir de telefones celulares
para processadores e servidores pesados.
Limites
para a aplicação da lei brasileira a terminais localizados no Brasil
O uso de leis brasileiras sobre
terminais localizados no Brasil é, em teoria, restrito aos atos de coleta,
manutenção e uso dos dados do usuário. E a lei brasileira deverá ser aplicada
especificamente no que concerne a privacidade e a proteção contra uso não
autorizado (incluindo a venda de informações para agências de publicidade,
espionagem, e busca de dados por governos estrangeiros.
Se o escopo do uso da legislação
brasileira fosse limitado aos temas acima, isso significaria que os termos dos
acordos comerciais deveriam estar sujeitos às leis sobre conflito de leis
usuais, o que significa que o uso do direito estrangeiro seria permitido.
Esta conclusão, no entanto, não é
segura.
Por um lado, porque outra parte da lei
menciona que a aplicação das leis consumeristas brasileiras também é
mandatória.
Também, a lei pode ser usada pelo
governo para justificar a taxação das vendas e licenciamento de software no
Brasil.
Além disto, vários princípios
estabelecidos na lei foram redigidos de forma a soar como sendo questões “interesse
coletivo e segurança nacional”. Sempre que uma norma é considerada como sendo
relevante para a segurança nacional, ela atrairá a aplicação da lei brasileira.
Isto significa que algumas cláusulas
dominantes em termos de uso padrão, como uma cláusula que permite ao vendedor
cobrar diretamente do cartão de crédito do comprador, pode ser considerada
ilegal no Brasil, porque a legislação brasileira é muito protetiva no que
concerne o crédito do consumidor, e porque a aplicação das leis consumistas
brasileiras pode ser considerada como uma questão de segurança nacional e de
interesse público.
Limitações
à escolha do foro e arbitragem
O projeto de lei também estabelece que
os acordos de massa firmados via internet não podem excluir fórum brasileiro.
Ou, em outras palavras, a lei proíbe que os fornecedores estrangeiros atraiam a
solução de litígios para seus países de origem (ao Facebook não seria permitido
escolher os EUA como o fórum preferencial para a resolução de litígios, por
exemplo).
Não está claro se esta disposição
impedirá o uso da arbitragem, ou se o uso da arbitragem nesses casos deve
seguir algumas disposições especiais que já são aplicáveis aos contratos de
consumo doméstico (basicamente, a necessidade de uma cláusula bem destacada,
com letras em negrito).
Consequências:
Fechamento de sites e de subsidiárias no Brasil
As consequências da não-conformidade com
as regras de privacidade descritas no projeto de lei são terríveis: uma multa
de até 10% da receita bruta do grupo econômico responsável pela aplicação
(pense em 10% das receitas mundiais de Angry Birds, ou, novamente, Facebook).
O projeto de lei prevê, claramente, que
as multas podem ser cobradas contra as subsidiárias locais das empresas, e até
mesmo contra quaisquer ativos ou empresas e distribuidores relacionados no
Brasil.
A lei não menciona de forma clara, mas o
encerramento das atividades de um site também é uma possibilidade (é importante
notar que até mesmo sites famosos como YouTube foram desligados no Brasil, há
alguns anos).
Conflitos
com as convenções internacionais. Possível inconstitucionalidade.
Alguns aspectos do Marco Civil violam os
acordos internacionais de proteção de privacidade. Muitos desses acordos não
foram ratificados pelo Brasil, mas são aplicáveis nos países em que o
fornecedor do aplicativo está localizado. Em especial, o Marco Civil determina
que os vendedores de servidores de internet ou aplicativos devem cooperar com
as autoridades brasileiras e compartilhar informações sobre seus clientes com a
polícia e os tribunais brasileiros.
Além disso, a aplicação de sanções às
subsidiárias locais que não praticaram qualquer atividade ilegal por si só pode
ser considerado inconstitucional, uma vez que a Constituição brasileira proíbe
a penalização de pessoas inocentes.
A lei internet brasileira é controversa
e, possivelmente, será causa de batalhas em tribunais a respeito de sua
validade vis a vis as convenções
internacionais, bem como a respeito de sua constitucionalidade. Vamos observar
atentamente como os princípios e regras descritas na lei serão aplicados.
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