segunda-feira, 26 de maio de 2014

Repercussões do Marco Civil da Internet sobre contratos internacionais firmados com usuários brasileiros


O Novo Marco Civil da Internet, que deve entrar em vigor no final de junho de 2014, é uma lei complexa, incluindo políticas públicas, padrões técnicos e direitos do consumidor. A lei também contém dispositivos preocupantes, que permitem que o Estado monitore de perto usuários da internet e conteúdos publicados na internet, o que se parece com censura.

Neste artigo, irei focar nos dispositivos regulando direito internacional privado e contratos internacionais relacionados com a internet.

Abordagem geral

A lei brasileira sobre conflitos de normas tem sido historicamente baseada no domicílio das partes contratantes. Isto é, geralmente a lei brasileira será aplicada a contratos executados no brasil e não será aplicada a contratos celebrados no exterior. A nacionalidade das partes não é importante neste contexto.

No caso de contratos entre partes que estejam fisicamente distantes, a lei brasileira estabelece que a lei do país de residência daquele que faz a proposta deve ser a lei aplicável.

Uma vez que contratos via internet não têm um lugar onde são assinados, e uma vez que a maior parte dos distribuidores de software, aplicativos e outros serviços de internet não estão localizados no Brasil, a aplicação das leis brasileiras irá geralmente pender para a lei do país do distribuidor (considerando que o distribuidor – vendedor – é tipicamente aquele que propõe os termos).

O governo brasileiro parece ter se ressentido desta situação. A nova lei de internet reflete essa posição e adotou um atalho legal para permitir o uso da lei brasileira em contratos celebrados por meio de ambientes virtuais. O Marco Civil determina que sempre que um terminal estiver localizado no Brasil, a residência legal da parte utilizando o terminal também deve ser o Brasil. E que qualquer transação via internet (ou troca de informações), realizada por meio de um terminal localizado no Brasil deve estar sujeita à lei brasileira.

Terminal, na definição jurídica, é qualquer dispositivo capaz de acessar internet. A partir de telefones celulares para processadores e servidores pesados.

Limites para a aplicação da lei brasileira a terminais localizados no Brasil

O uso de leis brasileiras sobre terminais localizados no Brasil é, em teoria, restrito aos atos de coleta, manutenção e uso dos dados do usuário. E a lei brasileira deverá ser aplicada especificamente no que concerne a privacidade e a proteção contra uso não autorizado (incluindo a venda de informações para agências de publicidade, espionagem, e busca de dados por governos estrangeiros.

Se o escopo do uso da legislação brasileira fosse limitado aos temas acima, isso significaria que os termos dos acordos comerciais deveriam estar sujeitos às leis sobre conflito de leis usuais, o que significa que o uso do direito estrangeiro seria permitido.

Esta conclusão, no entanto, não é segura.

Por um lado, porque outra parte da lei menciona que a aplicação das leis consumeristas brasileiras também é mandatória.

Também, a lei pode ser usada pelo governo para justificar a taxação das vendas e licenciamento de software no Brasil.

Além disto, vários princípios estabelecidos na lei foram redigidos de forma a soar como sendo questões “interesse coletivo e segurança nacional”. Sempre que uma norma é considerada como sendo relevante para a segurança nacional, ela atrairá a aplicação da lei brasileira.

Isto significa que algumas cláusulas dominantes em termos de uso padrão, como uma cláusula que permite ao vendedor cobrar diretamente do cartão de crédito do comprador, pode ser considerada ilegal no Brasil, porque a legislação brasileira é muito protetiva no que concerne o crédito do consumidor, e porque a aplicação das leis consumistas brasileiras pode ser considerada como uma questão de segurança nacional e de interesse público.

Limitações à escolha do foro e arbitragem

O projeto de lei também estabelece que os acordos de massa firmados via internet não podem excluir fórum brasileiro. Ou, em outras palavras, a lei proíbe que os fornecedores estrangeiros atraiam a solução de litígios para seus países de origem (ao Facebook não seria permitido escolher os EUA como o fórum preferencial para a resolução de litígios, por exemplo).

Não está claro se esta disposição impedirá o uso da arbitragem, ou se o uso da arbitragem nesses casos deve seguir algumas disposições especiais que já são aplicáveis ​​aos contratos de consumo doméstico (basicamente, a necessidade de uma cláusula bem destacada, com letras em negrito).

Consequências: Fechamento de sites e de  subsidiárias no Brasil

As consequências da não-conformidade com as regras de privacidade descritas no projeto de lei são terríveis: uma multa de até 10% da receita bruta do grupo econômico responsável pela aplicação (pense em 10% das receitas mundiais de Angry Birds, ou, novamente, Facebook).

O projeto de lei prevê, claramente, que as multas podem ser cobradas contra as subsidiárias locais das empresas, e até mesmo contra quaisquer ativos ou empresas e distribuidores relacionados no Brasil.

A lei não menciona de forma clara, mas o encerramento das atividades de um site também é uma possibilidade (é importante notar que até mesmo sites famosos como YouTube foram desligados no Brasil, há alguns anos).



Conflitos com as convenções internacionais. Possível inconstitucionalidade.

Alguns aspectos do Marco Civil violam os acordos internacionais de proteção de privacidade. Muitos desses acordos não foram ratificados pelo Brasil, mas são aplicáveis ​​nos países em que o fornecedor do aplicativo está localizado. Em especial, o Marco Civil determina que os vendedores de servidores de internet ou aplicativos devem cooperar com as autoridades brasileiras e compartilhar informações sobre seus clientes com a polícia e os tribunais brasileiros.

Além disso, a aplicação de sanções às subsidiárias locais que não praticaram qualquer atividade ilegal por si só pode ser considerado inconstitucional, uma vez que a Constituição brasileira proíbe a penalização de pessoas inocentes.


A lei internet brasileira é controversa e, possivelmente, será causa de batalhas em tribunais a respeito de sua validade vis a vis as convenções internacionais, bem como a respeito de sua constitucionalidade. Vamos observar atentamente como os princípios e regras descritas na lei serão aplicados.


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