*Post especial por Bárbara Vaz.
Com a evolução tecnológica, a cada dia são mais recorrentes os chamados
“crimes cibernéticos”, isto é, aqueles que se consumam através de meios
digitais.
A doutrina faz a distinção desses crimes em dois tipos: os chamados Próprios ou Puros, que são aqueles que
dependem de meio informatizado para a sua prática, tal como invasões de rede,
ataques a sistemas, sites e a dispositivos de armazenamento; e os Impróprios ou Impuros que são aqueles
que que se consumam por meio digital, mas que podem ser praticados tanto no
mundo real quanto no mundo virtual, como os crimes de estelionato, crimes
contra a honra, pornografia infantil, tráfico de drogas etc.
Até recentemente, os crimes Próprios ou Puros não eram tipificados, isto
é, não encontravam previsão em lei e não lhes era fixada qualquer pena pelo seu
cometimento. Só se verificava a penalização dos agentes que cometiam crimes já
tipificados e que se valiam do meio digital como forma facilitadora para o seu
cometimento, ou seja, somente havia punição pelos crimes cibernéticos
Impróprios ou Impuros.
Não foram poucas as reclamações e pedidos que se acumularam ao longo do
tempo pela tipificação dos crimes Cibernéticos Próprios. Só no último ano, o
registro de crimes cibernéticos aumentou 50%. Além disso, no mesmo exercício,
os bancos tiveram 74 milhões em prejuízo com furtos no mundo real e 1,4 bilhão
no mundo virtual, o que igualmente sinalizava para a necessidade de se impor
punições específicas para o uso de meios cibernéticos.
Era visível como a ideia de impunidade se formava por detrás das telas
dos computadores de tais criminosos, que se encontravam blindados pela inércia
do nosso poder legislativo. O que poderia, então, ter modificado o entendimento
do legislativo de forma tão abrupta? Obviamente, um escândalo.
Quem não se lembra do vazamento na internet de fotos íntimas da atriz
Carolina Dickman? Em resumo, os criminosos tratavam-se de técnicos de
informática para os quais a atriz entregou seu notebook para manutenção e, “espertamente”,
não deletou tais arquivos do aparelho.
Houve chantagem, a recusa da atriz em ceder a esta e pronto: fotos se
alastraram na internet com um mero clique e, também como mágica, viu-se a
necessidade de mudar a forma como os crimes cibernéticos eram encarados,
fazendo com que o projeto de lei de crimes cibernéticos, renegado ao relento
durante tantos anos, tivesse o seu trâmite acelerado.
Com isso, foi promulgada a Lei nº 12.737, que alterou o Código Penal
para inserir os artigos 154-A e 154-B e alterar os arts. 266 e 298, vigendo a
partir de 02/03/2013.
Bem, ainda que o motivo propulsor para a mudança tenha sido um escândalo
midiático “global” (como geralmente de fato é, na grande maioria das mudanças
legislativas brasileiras), pelo menos se obteve a solução plena para tais
crimes, certo? Errado.
O art. 154-A caput tipifica a invasão a dispositivos informáticos
alheios, porém impõe como restrição a necessidade de “violação indevida de mecanismo de segurança”. Ora, o que isso quer
dizer?
Quer dizer que, mesmo no caso que gerou toda essa repercussão sobre
crimes cibernéticos, ainda assim a invasão não seria punida, uma vez que
ao a atriz mandar o notebook para a assistência técnica não houve qualquer
violação de segurança por parte dos técnicos, os quais acessaram as fotos
facilmente por estas não possuírem proteção por senha.
O mesmo se verifica no caso de um funcionário que adultera
documentos ou dados digitais da empresa e gera tremendo prejuízo a esta, porém
sem violar qualquer barreira de segurança.
Além do exposto, o próprio procedimento de investigação acaba por criar
entraves à punição de tais agentes, visto que nao há lei que imponha aos
provedores a guarda de dados (logs de conexão, números de IPs etc) cumulado com
o fato de que o pedido para acesso a esses servidores tem que passar pelo poder
judiciário, levando no mínimo 15 dias para se obter a autorização.
Assim, temos mais uma norma para a coleção daquelas que exibem falhas
grosseiras e que não atendem plenamente aos objetivos a que se prestam. As
causas podem ser várias, mas duas merecem destaque: a incompetência do nosso
legislativo – que recorrentemente nos presenteia com diplomas legais descabidos
e dispositivos desconexos – e a pressa em promulgar normas por pressão da mídia
em virtude de eventos escandalosos ou de grande repercussão.
No fim das contas, o cidadão comum irá continuar desamparado, enquanto as
pressões que o Legislativo sofria foram aliviadas até o próximo escândalo.
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