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Na época do ocorrido, eu comentei no grupo de discussão do GEDICI o seguinte:
"Faço uma previsão: vai aparecer um projeto dizendo que as câmaras arbitrais precisam de autorização prévia do governo para serem criadas, e que serão regidas pelas normas do sistema financeiro."
Não demorou nada e minha profecia se cumpriu (eu costuma acertar sempre, porque sempre aposto que o governo irá cometer as maiores atrocidades concebíveis).
E pensar que eu já me iludi com a arbitragem e cheguei a dizer que A arbitragem é segura no Brasil.
Observem bem duas notícias recém publicadas no site Conjur:
Especialista critica arbitragem em mercado de capitais
Sigilo é obstáculo à formação jurisprudência arbitral
Nelas, vocês vão encontrar severas críticas ao sigilo que envolve a arbitragem.
Mas eu me pergunto: Por que isso? A quem interessa acabar com o sigilo arbitral? Por que a FGV está sempre envolvida nesses escândalos?
Será que o CONJUR sabe que isso dá repercussão e está apenas aumentando fatos triviais de modo a gerar pânico?
Não observo, na prática, críticas ao sigilo arbitral. Por que, de repente, tantos especialistas estão se manifestando contrariamente a ele?
Será que a postura autoritária da presidência está se espalhando por todo o sistema?
Desculpem a insistência, mas esse assunto me deixou irado.
Quem lê meu blog sabe que, para mim, os burocratas do governo fazem sessões de brainstorming com o objetivo específico de contornar garantias fundamentais.
Eu acompanho. quase obsessivamente. as novas leis e regulamentos, buscando subsídios para esssa minha tese.
São lindas as coincidências:
1) Nova lei de lavagem de dinheiro inclui advogados e padres como informantes (outro dia);
2) Reação forte da OAB
3) Coaf volta atrás e diz que profissões reguladas não precisam delatar clientes;
4) De repente, as arbitragens, que são conduzidas por advogados protegidos pelo sigilo, passam a ser alvo de investigação da Receita.
Ou seja, o advogado não precisa delatar. Mas a Câmara arbitral, composta na maioria por advogados, perde o manto da confidencialidade e do sigilo profissional.
E como fica o dever de confidencialidade do árbitro, se ele for advogado?
Eu diria que o próximo passo lógico da Receita seria começar a exigir que os advogados que atuaram na arbitragem revelem os laudos arbitrais. Eles dirão que, para fins tributários, o segredo profissional não vale.
Não pode ser coincidência. É um ataque ordenado. E, mesmo que não seja conscientemente um ataque organizado, as consequêncais são exatamente iguais às consequências de um ataque organizado e metódico.
Veja bem que o fato de o imposto ser pago ou não se torna irrelevante perante os métodos utilizados para a fiscalização.
Pense nas implicações práticas:
i) dados técnicos confidenciais rodando nas mãos de estagiários do quinto período que estagiam na Receita;
ii) comunicação entre Receita e Polícia Federal e Ministério Público (hoje, quase automática e permitida por várias normas legais, portarias, etc.);
iii) revelação à Receita de planejamentos tributários complexos, com subsidiárias em terceiro nível, localizadas em paraísos fiscais (a existência delas não precisa ser demonstrada segundo a lei brasileira, mas, sabendo de sua existência, a Receita pode tentar coibi-las);
iv) exposição detalhada de planos de negócios;
v) fim da condiencialidade em casos envolvendo pessoas politicamente expostas;
vi) demonstração, para a Receita, que pessoas físicas mantém fundos em propriedade de empresas no exterior (novamente, o caixa da empresa não precisa ser declarado, só as cotas, mas a Receita pode ter ideias)
Tudo isso acima é meu dia a dia, não há nada de extraordinário.
Fora que, sob o ponto de vista ético, a posição da Receita é inaceitável. Você sabe que, hoje, ela já requisita extratos bancários, sem mandado judicial ou nada do tipo. Agora ela quer sublimar a existência dos dados contábeis da empresa e ir diretamente à câmara arbitral, numa forma de sanção política (ou, como eu prefiro, extorsão), também sem mandado, de forma autoritária.
Minha confiança ficou seriamente abalada. Há coisas que o governo não deve fazer. Quando ele faz, é porque as garantias já morreram.
Considere bem: No passado, quando muitos contribuintes declaravam gastos com dentistas, era comum a Receita pedir cópia dos RAIO-X dos dentes do infeliz, para comprovar o gasto.
Um absurdo, mas tudo bem.
Agora imagine que a Receita vá até um hospital, confisque todos os prontuários médicos, analise a situação médica de cada paciente, estime os gastos com o tratamento e compare com a declaração de renda.
Eu pergunto, a Receita poderia fazer isso? Acredito que não, pois isso violaria o sigilo médico, os direitos de personalidade (intimidade) do paciente, além de NÃO HAVER BASE LEGAL para tanto.
Sob o ponto de vista ético, o caso do hospital é igual ao caso das câmaras arbitrais. A Receita está confiscando informações de um prestador de serviço que é protegido pelo sigilo, para espionar os contribuintes. No processo, viola direitos à intimidade, ao segrego empresarial, etc.
1) Por que a FGV?
Porque a FGV tem caráter público (a natureza jurídica é complicada, mas, na prática, tem) e o gestor da câmara arbitral teria problemas sérios se resistisse à ordem.
2) Por que a Receita não começou com câmaras privadas, ou com as câmaras de arbitragem da OAB?
Porque a Receita precisava de um caso de sucesso para poder coagir as demais câmaras. Se começasse pela OAB, nunca teria sucesso. E mesmo se começasse por câmaras totalmente privadas, encontraria problemas.
Onde está a coragem e a convicção legal da Receita para intimar o presidente da OAB-MG a revelar todos os dados confidenciais de arbitragens geridas pela OAB e realizadas por advogados?
Você acha que o presidente da OAB faria isso? Eu acho que não.
Mas, se a Receita tem certeza de que a arbitragem é só uma nova forma de lavagem de dinheiro, por que não foi enfrentar a OAB de cara?
(Eu diria que, depois de levar uma sova no caso da nova lei de lavagem de dinheiro, a Receita está tentando minar a advocacia por meios indiretos)
3) Então a Receita planejou tudo isso?
Exatamente. Metódica em suas ações.
De outra forma, por que não fazer uma operação estilo "maré vermelha" e solicitar informações de todas as câmaras arbitrais, inclusive da CCI Brasil?
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.