1. INTRODUÇÃO
O intuito desta obra é
proceder a um estudo comparativo entre os principais institutos da Lei
Brasileira de Arbitragem (Lei n. 9.307/96) e da Lei Modelo de Arbitragem
Internacional publicada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio
Internacional (a seguir, Uncitral), a fim de verificar a possibilidade de
adoção da Lei Modelo para regular arbitragens processadas ou executadas no
Brasil.
Nesse passo, propõe-se
iniciar o trabalho com uma apresentação sobre a Uncitral, aliada a um breve
relato histórico dos dois textos normativos. Estas informações comporão o
capítulo 2 desta monografia.
Em seguida, no capítulo terceiro, partir-se-á
para o estudo do âmbito de aplicação dos dois diplomas, a fim de averiguar
quais são os conflitos passíveis de regulação segundo cada um deles. Para este
fim, os textos serão estudados quanto às relações materiais que abrangem e
também quanto à sua possibilidade de aplicação nos âmbitos interno e
internacional.
Posteriormente, no
capítulo quarto, serão analisadas, comparativamente, a formação da relação
arbitral segundo a Lei 9.307/96 e segundo a Lei Modelo da Uncitral. Neste
tópico, serão estudadas as formas de execução compulsória da cláusula arbitral
quando não há concordância da outra parte, além dos requisitos mínimos
necessários para a formação e validade do tribunal arbitral.
Continuando o estudo, o
capítulo 5 enfrentará o tema dos poderes e atribuições do sistema judiciário
sobre o procedimento arbitral sob a ótica dos dois sistemas. Neste ponto, levantar-se-ão
questões a respeito da concessão de medidas cautelares pelo judiciário a fim de
proteger o procedimento arbitral, além dos requisitos e procedimentos cabíveis
quanto à execução das sentenças arbitrais, em um e outro texto.
Por fim, a conclusão trará
o resultado das investigações, respondendo à questão proposta inicialmente,
qual seja, se a Lei 9.307/96 e a Lei Modelo da Uncitral são diplomas
compatíveis sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro.
2.
HISTÓRICO
2.1 CONTEXTO
DA ARBITRAGEM INTERNACIONAL NO BRASIL
A arbitragem é o método
de solução de controvérsias mais comumente adotado no comércio internacional.
As características da celeridade e informalidade, aliadas à possibilidade de
escolha da lei aplicável, tornam a arbitragem um método extremamente atraente e
seguro para aqueles que lidam com as incertezas do comércio internacional.
A
importância da arbitragem no comércio internacional pode ser percebida também
pela quantidade de tratados e acordos existentes sobre o assunto. Nesse sentido, podem-se listar o
Protocolo de Genebra de 1923, a Convenção de Gênova de 1927 e a Convenção de
Nova Iorque de 1958, como resultados notáveis do esforço mundial pela
padronização da arbitragem internacional. Contudo, a prática encarregou-se de
elaborar várias críticas a todos estes diplomas, de maneira que ainda subsistia
a busca por um modelo internacional eficiente e harmônico para a arbitragem
comercial internacional.
Um comitê formado por representantes de 58 países,
incluindo o Brasil, e 18 organizações internacionais, presidido pela Comissão
das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, discutiu, durante
três anos, os termos de uma lei-modelo sobre arbitragem. O objetivo não era unificar a matéria através
de uma convenção internacional, mas buscar a harmonização das diversas
legislações internas.
A Assembléia Geral das Nações Unidas, através da
Resolução n.40/72, de 11.12.1985, aprovou o texto final dessa Lei Modelo sobre
Arbitragem Comercial Internacional.
Por contar com a adesão de países que movimentam dois
terços do comércio mundial, a Lei Modelo da Uncitral foi um sucesso retumbante.
Seu texto solucionou várias falhas das convenções anteriores, além de
influenciar a revisão dos regulamentos arbitrais das principais câmaras de arbitragem
do planeta. Além disso, influenciou grande parte das legislações internas sobre
arbitragem, promulgadas após sua aprovação. A Lei Modelo aborda a Arbitragem
desde sua formação até a execução da sentença arbitral, constituindo um código
relativamente completo de procedimentos.
O
Brasil assinou o Protocolo de Genebra, em 1923. É também signatário da
Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional (Panamá,
1975) promulgada, finalmente, no Brasil, para ser executada e cumprida, em 9 de
maio de 1996. Mais recentemente, em2002, o país reconheceu a convenção de Nova
Iorque. E, embora não tenha adotado o texto da Uncitral, a Lei 9.307/96, que
regula a arbitragem, tem sua gênese nos preceitos dessa Lei Modelo.
Pelo
exposto acima, pode-se observar que é a partir de 1996 que o Brasil dá impulso
à sua regulamentação sobre Arbitragem Internacional. Isso fica ainda mais claro
ao se constatar que, antes da Lei 9.307/96, a legislação pátria sobre
arbitragem era excessivamente burocrática e pouco confiável, além de
demasiadamente dependente do poder judiciário. Se, em parte, esse revigoramento
da Arbitragem no país é motivo de orgulho, deve-se também lembrar que o Brasil
iniciou-se no tema com algumas décadas de atraso. Exemplo cristalino é a adoção
tardia da Convenção de Nova Iorque, fundamental para a execução das sentenças
arbitrais internacionais, e que só foi ratificada 40 anos após sua criação.
A
produção intelectual do país a respeito do tema acompanhou o novo sopro de vida
trazido pela lei 9.307/96. Farto material foi publicado estudando os
dispositivos da norma, além de grande número de escritos que procuravam
acompanhar a evolução jurisprudencial do entendimento sobre a lei, geradora de
interessante debate no palco do STF.
Atualmente,
a doutrina pátria ocupa-se com competência de temas atuais dentro da Arbitragem
Internacional, tais como a Arbitragem na solução de conflitos entre
investidores estrangeiros e o Estado ou a arbitragem na solução de conflitos
internos em consórcios de empresas.
Todavia,
apesar de existirem muitos artigos explorando temas pontuais, poucas obras
fazem sistemático e comparativo entre a Lei Brasileira e as convenções
internacionais. Principalmente no caso da Lei Modelo da Uncitral, é escassa a
literatura pátria.
Cumpre
ressaltar que a falta de informações sobre o tema pode gerar insegurança para
os empresários brasileiros, uma vez que é comum a celebração de contratos
internacionais contendo cláusulas arbitrais que remetam à Lei Modelo da
Uncitral ou a regramentos arbitrais diretamente nela baseados.
Com o intuito
de auxiliar o suprimento dessa lacuna na Doutrina nacional, constitui objetivo
da presente monografia realizar um estudo sistemático dos principais institutos
da Lei Modelo da Uncitral. Este estudo, todavia, não seria mais que uma
repetição da literatura estrangeira se este fosse seu único objetivo. Assim,
pretende-se também comparar os institutos da Lei Modelo com a Lei Brasileira de
arbitragem, identificando problemas e/ou eventuais incoerências, além de propor
soluções.
2.2 A
UNCITRAL
A
Uncitral é um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), criado com o
objetivo de elaborar normas jurídicas harmônicas e homogêneas, passíveis de
serem adotadas internacionalmente, a fim de reduzir os obstáculos que a diversidade
de legislações causa ao comércio internacional.
Segundo
informações encontradas no site www.uncitral.org[1]:
A
Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (Uncitral)
foi estabelecida pela Assembléia Geral em 1966 (Resolução 2205(XXI) de 17 de
Dezembro de 1966). Ao estabelecer a Comissão, a Assembléia Geral reconheceu que
disparidades nas leis nacionais que governam o comércio internacional criaram
obstáculos para o fluxo do comércio, e reconheceu a Comissão como o veículo com
o qual as Nações Unidas poderiam representar um papel mais ativo em reduzir ou
remover estes obstáculos. A Comissão tornou-se desde então o corpo legal
central do sistema das Nações Unidas no campo do direito comercial
internacional. A Comissão é composta de 60 estados membros eleitos pela
Assembléia Geral. O quadro de membros é estruturado de forma a ser
representativo das várias regiões geográficas do mundo e também dos principais
sistemas jurídicos e econômicos. Membros da Comissão são eleitos por mandatos
de 6 anos, os mandatos de metade deles expirando a cada três anos. A Comissão
executa seus trabalhos em sessões anuais, que são realizadas alternadamente na
sede das Nações Unidas em Nova Iorque e
no Centro Internacional de Viena, em Viena. Cada grupo de trabalho da comissão
tipicamente realiza uma ou duas sessões a cada ano, dependendo da matéria a ser
coberta; essas sessões também se alternam entre Nova Iorque e Viena. Além dos
estados membros, todos os estados não membros da comissão, assim como organizações
internacionais interessadas, são convidadas a comparecer às sessões da Comissão
e de seus grupos de trabalho como observadores. Aos observadores é permitido
participar nas discussões da Comissão e de seus grupos de trabalho da mesma
forma que os membros. As áreas em que a Comissão tem trabalhado ou trabalha e
os maiores resultados desse trabalho estão listados abaixo:
Arbitragem
e Conciliação Comercial Internacional
Venda
Internacional de Bens (CISG) e Transações Relacionadas
Insolvência
Pagamentos
Internacionais
Transporte
Internacional de Mercadorias
Comércio
Eletrônico
Desenvolvimento
de abastecimento e infra-estrutura
Penalidades
e Danos Liquidados
É interessante mencionar que o Brasil é atualmente um dos
países membros da Uncitral, com mandato até 2007.
Concluída a breve explanação sobre a Uncitral, cumpre
agora verificar as origens de sua Lei Modelo sobre arbitragem internacional.
2.3 HISTÓRICO DA “UNCITRAL
MODEL LAW ON INTERNATIONAL COMMERCIAL ARBITRATION”.
A
Lei Modelo da Uncitral sobre arbitragem comercial internacional foi adotada
pela Uncitral em 21 de junho de 1985, no fechamento da 18º sessão anual da
comissão. A assembléia geral, em sua resolução 40/72 de 11 de dezembro de 1985
recomendou que:
todos os Estados dêem
devida consideração à Lei Modelo sobre arbitragem comercial internacional, em
vista do desejo de uniformidade da direito dos procedimentos arbitrais e das
necessidades específicas da prática do comércio internacional (UNCITRAL, 1985).
Segundo
as declarações constantes da nota explicativa[2]
promulgada pela Uncitral acerca da Lei Modelo[3]:
A Lei Modelo
constitui uma base saudável e promissora para a desejável harmonização e
desenvolvimento das leis nacionais. Ela cobre todos os estágios do processo
arbitral desde a convenção de arbitragem até o reconhecimento e execução da
decisão arbitral e reflete um consenso mundial sobre os princípios e temas
importante da prática internacional da arbitragem. Ela é aceitável para Estados
de todas as regiões e diferentes sistemas legais e econômicos do mundo.
(...)
A Lei Modelo foi
projetada para cobrir preocupações relativas ao estado corrente das leis
nacionais sobre arbitragem. A necessidade de desenvolvimento e harmonização é
baseada na descoberta de que as leis domésticas são em geral inapropriadas para
casos internacionais e que existe considerável disparidade entre elas.
Quanto
à extensão da influência da Lei Modelo da Uncitral, cabe consultar as
informações trazidas por José Augusto Delgado, em artigo que trata da
arbitragem no Brasil[4],
mas que faz referência introdutória à Lei Modelo:
Ao comentar, a
seguir, a decisão da UNCITRAL que, em 11/12/1985, pela Resolução nº 40/72, em
sua Assembléia Geral na 112ª Reunião, aprovou uma Lei Modelo de Arbitragem,
afirmou, ainda, José Maria Rossani Garcez, pág. 172, ob. citada, que:
Além das Regras sobre
Arbitragem antes referidas, a Uncitral aprovou, pela Resolução nº 40/72, em sua
Assembléia Geral na 112ª Reunião Plenária, de 11 de dezembro de 1985, uma
Lei-Modelo de Arbitragem, preparada em regime de consultas com entidades
arbitrais e experts internacionais da área, com o objetivo de poder ser aceita
e adaptada pelos Estados e assim contribuir para o desenvolvimento harmônico
das relações comerciais e a criação de um framework internacional. A
Lei-Modelo, em 36 artigos, se aplica à arbitragem comercial internacional,
ficando esclarecido, em nota de rodapé ao numeral (1) do artigo primeiro, que
ao termo ‘comercial’ é dada uma ampla interpretação, para cobrir todas as
relações de natureza comercial, sejam elas contratuais ou não
Um estudo levado a
efeito pelo Professor Pieter Sanders (Professor emeritus na Universidade de
Rotterdam, artigo constante do vol. II nº 1 do Arbitration International, LCIA,
1995), registra que o impacto da Lei-Modelo é tão elevado que praticamente
nenhum Estado que tenha modernizado seu sistema legislativo sobre arbitragem,
após a sua edição, teria, inter alia, deixado de levá-la em consideração.
Alguns Estados adotaram a Lei-Modelo por inteiro, outros se adaptaram a maior
parte de suas provisões, de forma que existem países que podem ser
caracterizados como países da Lei-Modelo (Model Law countries). Uma lista de 14
desses países que adotaram os standards da Lei-Modelo no período compreendido
entre 1986 e 1994 é apresentada nesse estudo como adiante se reproduz, com
registro do ano da adoção: Canadá (1986); Chipre (1987); Bulgária e Nigéria
(1988); Austrália e Hong Kong (1989); Escócia (1990); Peru (1993); Bermuda,
Federação da Rússia, México e Tunísia (1993); Egito e Ucrânia (1994). Além
desses países, oito Estados norte-americanos adotaram também os padrões da
Lei-Modelo: Califórnia, Connecticut, Florida, Georgia, North Carolina, Ohio,
Oregon e Texas.
Até 1995, quando o
estudo do Professor Pieter Sanders foi realizado, 22 países haviam promulgado
leis internas sobre arbitragem adaptando-as, substancialmente, aos padrões da
Lei-Modelo (DELGADO, 2003).
Atualmente, a influência
da Lei Modelo já é bem maior, tendo sido adotada por variados países de todo o
mundo[5], o
que prova sua capacidade de integrar os princípios mais modernos e eficientes
relativos à arbitragem comercial internacional.
2.4 HISTÓRICO DA LEI BRASILEIRA DE ARBITRAGEM
O cenário da arbitragem
no Brasil, antes do advento da Lei. 9.307/96, era bastante adverso à difusão
dessa modalidade de resolução de conflitos. A regulamentação do instituto,
notadamente a contida no Código de Processo Civil, não oferecia segurança aos
contratantes a respeito do cumprimento da cláusula arbitral pela outra parte.
Nesse sentido, Carlos
Alberto Carmona:
A cláusula arbitral
ou cláusula compromissória – dispositivo contratual onde as partes prevêem que
resolverão eventuais disputas surgidas em determinado negócio jurídico através
da arbitragem – foi totalmente desprestigiada no direito interno brasileiro até
o advento da lei 9.307/96, de tal sorte que o Código de Processo Civil não
permitia a instauração do juízo arbitral a não ser na presença do compromisso
arbitral, único instrumento a autorizar a exceção de que tratava o art. 301, X,
do Estatuto de Processo, em sua versão original. Nesta esteira, entendiam os
tribunais pátrios que o desrespeito à cláusula arbitral não permitia a execução
específica de obrigação de fazer, resolvendo-se o inadimplemento em perdas e
danos, reconhecidamente de difícil liquidação. Em outras palavras, a doutrina e
a jurisprudência praticamente transformaram o pacto de contrahendo (cláusula
compromissória) em verdadeiro pactum nudum, contribuindo para que os
agentes do comércio internacional (especialmente estes!) abandonassem a escolha
da solução arbitral de controvérsias no Brasil (CARMONA, 1998, p. 17).
A respeito da necessidade de
ser criada uma cultura da arbitragem no País, pertinentes as observações feitas
por Cláudio Vianna de Lima, em artigo publicado no Correio Braziliense, Caderno
“Direito & Justiça”, no sentido de que:
Até o advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de
1996, a arbitragem foi, notoriamente, maltratada pelo Direito Positivo no
Brasil. A conseqüência é a falta de uma prática do instituto e de uma “cultura
arbitral” em nosso país. Não se acredita na arbitragem. Só se admite a justiça
feita pelo Estado, nada obstante a crise universal, do Judiciário, a delonga
das decisões judiciais, a injustiça manifesta que representam as decisões
retardadas, a conseqüente inocuidade, na maioria das vezes, dessas sentenças e
a impunidade freqüente de infrações penais (LIMA, 1998, p.8)
Apesar das
falhas na legislação interna, existiram tentativas de se popularizar a
arbitragem em nosso país. Este movimento pode ser percebido no campo
internacional, no qual já foram assinados vários tratados sobre o tema. O
primeiro grande passo dado pelo Brasil deu-se com a adesão ao Protocolo de
Genebra, de 24 de setembro de 1923. A ratificação no Brasil foi publicada,
juntamente com o texto do acordo, pelo Decreto n. 21.187, de 22/03/1932, sendo
ordenada a sua execução no território nacional.
Além do Protocolo de
Genebra, o Brasil também aderiu à Convenção Interamericana sobre Arbitragem
Comercial Internacional, concluída em 30/01/1975, na cidade do Panamá
(ratificada pelo Decreto Legislativo n. 90/95, de 6 de junho de 1995), ao
Acordo sobre arbitragem comercial internacional do Mercosul, de 1998 (aprovado
no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 25, de 29/12/200), e à Convenção de Nova
Iorque, de 10 de junho de 1958, sobre o reconhecimento e a execução de
sentenças arbitrais estrangeiras, ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo
n. 52, de 25/04/2002, e pelo Decreto n. 4.311, de 23/07/2002.
Simultaneamente, foram
apresentados projetos de lei de arbitragem, que também procuraram modificar o
tratamento dispensado a este instituto e, principalmente, à cláusula de
arbitragem no Direito Interno. O primeiro projeto foi levado ao Congresso em
1981. O segundo, em 1986 e o terceiro, em 1988. Mas foi o quarto projeto, de
1992, que contava com o apoio do então Senador Marco Maciel, que acabou sendo
aprovado e transformou-se na Lei. 9.307/96.
Conforme
anota Pedro Batista Martins, os
mentores da Lei nº 9.307, de 23/09/96, foram inspirados pelo trabalho elaborado
pela UNCITRAL, sem se deixar de mencionar que também receberam influências da
Convenção de Nova Iorque de 10/06/1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de
Sentenças Arbitrais Estrangeiras, como também da Convenção Interamericana sobre
Arbitragem Comercial Internacional do Panamá de 30/01/1975 (MARTINS, 1995,
p.58-59).
Em
boa hora veio a Lei nº 9.307, principalmente no que diz respeito à inserção do
Brasil num cenário internacional já habituado à solução dos conflitos pela via
arbitral. Nas palavras de Humberto Theodoro Junior:
Como o Brasil tinha
sérios compromissos internacionais de viabilizar o juízo arbitral,
principalmente em função dos mercados comuns a que se integrou ou a que se
ligou, tornou-se imperiosa a necessidade de modernizar a legislação interna
acerca da arbitragem. Assim, adveio a Lei nº 9.307, de 23/09/96, que revogou
toda a disciplina localizada no interior do Código Civil e do Código de
Processo Civil, e que tratava do tema (THEODORO JÚNIOR, 1998, p. 360).
Também no âmbito interno, a recepção da nova lei foi festejada pela
doutrina.
[a
lei 9.307] não só inova na matéria, mudando substancialmente o quadro até então
existente, como também reflete o esmero científico que se lhe buscou dar, dentro
de um figurino moderno e afinado com os modelos mais atualizados da técnica
contemporânea (TEIXEIRA, 1992, p. 82).
Todavia, a
recepção da nova lei de arbitragem pelo ordenamento jurídico enfrentou ainda um
empecilho. Questionava-se se a adoção da modalidade arbitral constituiria ou
não violação ao mandamento do art. 5º, inciso XXXV da Constituição, na medida
em que a lei de arbitragem estaria furtando do judiciário o poder de atuar nas
lides submetidas à arbitragem.
Por ser tema
de especial relevância, a discussão sobre a constitucionalidade da Lei de
Arbitragem será abordada de maneira específica, no tópico abaixo.
2.4.1 A CONSTITUCIONALIDADE DA
LEI 9.307/96
O estopim da
discussão sobre a constitucionalidade da Lei 9.307/96 foi o posicionamento do
Ministro Sepúlveda Pertence, do STF, que levantou a questão incidentalmente no
julgamento do processo
de homologação de sentença estrangeira n. 5.206-7.
As
questões constitucionais suscitadas em torno da cláusula compromissória
decorrem de dois argumentos levantados de ofício pelo Ministro Sepúlveda
Pertence nos autos da Sentença Estrangeira nº 5.206 – Reino da Espanha. De
acordo com o ilustre Ministro, a instância arbitral instituída a partir de mera
cláusula compromissória pode afrontar, em certos casos, o preceito normativo no
artigo 5º, XXXV da Constituição. Ademais, argumenta admitir a possibilidade de
execução específica das cláusulas compromissórias em branco significa
substituir a vontade das partes pela decisão do magistrado (WALD, 2001, p.73).
De acordo com Marco
Aurélio Gumieri Valério,
a questão levantada pelo Ministro refere-se não propriamente à
constitucionalidade da arbitragem que pode ser considerada ponto pacífico de
discussões, mas refere-se à constitucionalidade da principal inovação introduzida
na legislação especial, qual seja, a executoriedade da cláusula arbitral
prevista no parágrafo único do art. 6º e, no art. 7º, em seus sete parágrafos.
(Valério, 2002)
O voto do relator,
Ministro Sepúlveda Pertence[6],
acompanhado pelo Ministro Sidney Sanches, reconhece a constitucionalidade da
arbitragem, porém, considera inconstitucionais os dois artigos, porque:
Sendo
a Vontade da parte, manifestada na cláusula compromissória, insuficiente – dada
a indeterminação do seu objeto – e, pois, diversa de necessária a compor o
consenso exigido à formação do compromisso, permitir o suprimento judicial
seria admitir a instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade
bilateral dos litigantes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional:
entendo nesse sentido a lição de Pontes (ob. Cit., XV/224) de que fere o
princípio constitucional invocado – hoje, art. 5, XXXV, da Constituição –
atribuir, ao compromisso que assim se formasse por provimento judicial
substitutivo do assentamento de uma das partes, eficácia fora do que é a
vontade dos figurantes em se submeterem. Não posso fugir, desse modo, à
declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6º e do art. 7º
da Lei de Arbitragem e, em conseqüência, dos outros dispositivos que delas
derivam (...)
Posteriormente
o Ministro Maurício Corrêa também apreciou a matéria, divergindo, todavia, do
voto do Ministro Sepúlveda Pertence.
Ademais, estou admitindo que
a tese da inexeqüibilidade da cláusula compromissória põe-se em confronto com o
Código Civil, que prevê situações em que o objeto do contrato não é
determinado, mas determinável, sendo necessário concretizar a vontade das
partes e não substituí-la, como também entende Antônio Junqueira de Azevedo
(...). É por essa razão que volto a insistir em que negar à parte interessada
acesso ao Judiciário para pedir proteção a seu direito seria ofensivo ao
princípio da inafastabilidade da prestaçaõ jurisdicional (CF, artigo 5º, XXXV).
(...) Feitas essas considerações, não vejo como possa prosperar a declaraçao de
inconstitucionalidade dos preceitos impugnados. Ao contrário, considero-os
mecanismo de suma importância, hodiernos e indispensáveis ao aperfeiçoamento de
nosso sistema jurídico, a exemplo do que se cristalizou, há muito, na legislaçao
da maioria dos Estados democráticos, como instrumento alternativo, eficaz e
célere para a composição de litígios. (grifos nossos)[7]
Para finalizar, interessam as seguintes considerações
feitas ao voto do Ministro Nelsom Jobim
O voto do Ministro Nelos
Jobim esclareceu bem a matéria, fazendo a oportuna distinção entre cláusulas
compromissórias cheias e vazias (ou “em branco”) e salientando que só existe
convenção de arbitragem em relação a divergências referentes a contratos
específicos, nos precisos termos do art. 4º da Lei. Em seguida, afirmou que a
ação prevista no art. 7º não se aplica ao caso no qual há prévio acordo sobre a
forma da arbitragem, seja em virtude de definição da mesma pelas partes, seja
em decorrência da aplicação de regulamento de entidade especializada. (...)
Salientou o voto que a consensualidade ocorre no momento em que é estipulada a
cláusula compromissória, abrangendo eventuais conflitos futuros determináveis
(...) Não há assim, renúncia abstrata à jurisdição, pois não se admite cláusula
compromissória pura, autônoma ou absoluta, fora do âmbito específico de um
contrato (DELGADO, 2002, P. 408).
Os dois últimos
posicionamentos mencionados apresentaram os argumentos básicos da tese que
acabou vitoriosa, a da constitucionalidade da Lei de Arbitragem. A decisão do STF foi prolatada em 2001,
colocando um ponto final nessas discussões e declarando constitucionais todos
os artigos da nova lei de arbitragem.
Com esse resultado, foram
atendidas as vozes da doutrina nacional, que, de forma quase unânime, sempre
foi favorável à constitucionalidade da arbitragem.
A Lei 9307/96 não deixa margem a qualquer
dúvida, quanto a sua constitucionalidade, porquanto o artigo 25 comanda que,
sobrevindo, no curso da arbitragem, dissensão acerca de direitos indisponíveis,
de cuja existência ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal
arbitral mandará as partes, para o Juízo competente.Neste sentido, a opinião
dos doutos, destacando-se: Célio Borja, Frederico Marques e Hamilton de Moraes e
Barros, apreciando a lei anterior, e, atualmente, José Janguiê Bezerra Diniz,
Geraldo Brindeiro, Cláudio Vianna de Lima, Fátima Nancy Andrighi,
Cláudio Santos, Carlos Pinto Coelho Motta, Carlos Mário da Silva Velloso
, (...) Celso Barbi Filho, Arnoldo Wald, Regina Michelon e Jones
Figueiredo Alves (SZKLAROWSKY, 2004).
3.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DOS
DIPLOMAS
3.1
A QUESTÃO DOS DIREITOS PATRIMONIAIS DISPONÍVEIS NA LEI 9.307/96
O art. 1º da Lei 9.307/96
dispõe:
Art.
1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Dessa forma, o âmbito de aplicação da
arbitragem, segundo a Lei Brasileira, abrange, unicamente, o campo dos direitos
patrimoniais disponíveis. Cabe aqui, portanto, expor o que se tem entendido por
esta expressão, ademais de sentido tão lato, a fim de que haja bases para uma
efetiva comparação entre a Lei Brasileira e a Lei Modelo da Uncitral.
Belizário Antônio de
Lacerda traz a seguinte definição para o termo:
Direito Patrimonial Disponível é todo aquele direito que,
advindo do capital ou do trabalho, ou da conjugação de ambos, bem como ainda do
proventos de qualquer natureza, como tais entendidos os acréscimos patrimoniais
não oriundos do capital ou do trabalho ou da conjugação de ambos, pode ser
livremente negociado pela parte, eis que não sofre qualquer impedimento de
alienação, quer por força da lei, quer por força de ato de vontade. (LACERDA,
1998, p. 40).
Direitos
patrimoniais são aqueles que podem ser considerados em sua expressão econômica,
como leciona João Roberto Parizatto:
direitos patrimoniais devem ser entendidos
como aqueles que possuem por objeto um determinado bem, inerente ao patrimônio
de alguém, tratando-se de bem que possa ser apropriado ou alienado. Patrimônio
indica o complexo de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o
mais que pertença a uma pessoa ou empresa e seja suscetível de apreciação
econômica. (PARIZATTO, 2000, p.16.)
Portanto, para
que possam ser objeto da arbitragem, os direitos devem ser suscetíveis de livre
disposição de seus titulares, via de regra. Contrariamente, as
relações jurídicas que contemplem natureza jurídica extrapatrimonial e
indisponível, não integram o conteúdo de convenção arbitral, bem como as coisas
comuns, as públicas e as fora de comércio, por imposição da lei. Estão fora do
âmbito da arbitragem questões ligadas, basicamente, ao Direito Público, como o
Direito Constitucional, o Direito Penal e o Direito Administrativo.
Em síntese:
pode-se dizer que a
lei exclui como objeto do juízo arbitral as relações que não dizem respeito ao
Direito Privado, não podendo o árbitro decidir sobre questões de ordem pública
como os direitos da personalidade, os direitos de poder e de estado; as
questões de família, falência, de incapazes e outras que, acima de tudo, ainda
exigem a participação obrigatória do Ministério Público, e as questões que se
submetem a procedimentos de jurisdição voluntária, dada a natureza pública que
existe em todos esses procedimentos. (BAZO, 2004).
Apesar da consistência das opiniões colacionadas acima,
deve-se mencionar que ainda restam alguns campos cinzentos na definição do que
pode ou não ser arbitrado, à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Nessa
situação encontram-se, por exemplo, as relações trabalhistas não coletivas e as
questões relativas à propriedade industrial.
Quanto à arbitrabilidade na área de propriedade
industrial, é interessante considerar:
Na área específica de conflitos referentes à propriedade
intelectual verificamos que toda controvérsia meramente obrigacional decorrente
dos contratos em geral, contrato de licença para exploração de patente, cessão
de uso de marca, franquia, e outros podem ser arbitráveis. Todavia, observe-se
que há determinadas questões, nesta área, que são sensíveis. Neste sentido
podemos ter como norte o seguinte: com exceção do contencioso versando sobre a
anulação de titulo de patente e de outras questões que o interesse público
esteja presente, tudo mais pode ser arbitrado, tais como, as repercussões
patrimoniais nos contratos de licenças, de cessão de uso, no contencioso
envolvendo a exploração da patente ou de marca podem ser submetidos à
arbitragem. As controvérsias referentes a pagamentos de quantias adequadas,
indenizações, obrigações assumidas; enfim, todos os efeitos patrimoniais
oriundos de obrigações assumidas podem ser solucionados por arbitragem. Mas há
de ser observado que a questão da arbitrabilidade objetiva, nesta área,
encontra limites, tal como referido pelo Professor Fróes, ao comentar trabalho
elaborado pelo professor inglês Lew. O primeiro óbice previsto, em algumas
legislações, é a discussão quanto à
validade de um direito, a caducidade da patente ou a
concessão da licença obrigatória, que somente podem ser discutidas perante as
Cortes Oficiais, por envolver interesse público relevante, uma questão de ordem
pública, considerando que as discussões sobre validade de uma patente
transcende os lindes do interesse privado. (LEME, 2003).
A
partir do excerto acima, pode-se extrair o entendimento de que, em sede de
relações que envolvem matérias públicas e privadas, é essencial que se analise
quais aspectos cabem às matérias de ordem pública, aos direitos indisponíveis e
quais aspectos podem ser enquadrados na noção de direitos patrimoniais
transacionáveis. Feita essa análise, poder-se-á deduzir o que é ou não passível
de arbitragem.
Passando
à área trabalhista, encontra-se um panorama de contornos menos firmes e de
maior divergência doutrinária. Segundo afirma Dayse Coelho de Almeida
A doutrina brasileira encontra-se dividida no tocante à
aplicabilidade da arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas. Também
diverge bastante sobre a indisponibilidade das normas trabalhistas, porque
conceito direito público e norma de ordem pública, para alguns, tem diferenças,
como assenta VASCONCELOS (1999, p 238). Ambas as situações traduzem graus diferentes
de interesse público. A presença do Estado como parte da relação jurídica e o
respectivo conteúdo definem a relação de direito público. Já a norma de ordem
pública, apresenta-se como limitação da autonomia da vontade das partes na
definição do conteúdo da relação jurídica objeto da avença (de natureza
privada) celebrada entre as mesmas. Assim as normas cogentes incidentes na
relação jurídica de direito individual de trabalho, celebrada entre
particulares (trabalhador e empregador), são normas de ordem pública, em função
do grau de interesse público vislumbrado nesta espécie de relação jurídica.
Mas, a relação de trabalho é de natureza privada, não tendo lugar a objeção
quanto à impossibilidade de adoção do instituto da arbitragem neste campo, sob
a alegação de que se trata de ramo de direito público, cuja indisponibilidade é
característica fundamental (ALMEIDA, 2006).
Todavia, apesar das
divergências teóricas sobre o assunto, certo é que a arbitragem em terreno
trabalhista tem representando expressiva parcela do total de procedimentos
arbitrais conduzidos pelas câmaras de arbitragem brasileiras. É o que se conclui a partir das informações
divulgadas pelo Conselho Arbitral do Estado de São Paulo -CAESP, relativas ao
ano de 2005, na tabela a seguir:
Tabela 1
Número de procedimentos arbitrais por
área
Natureza
|
Qtde
no Período
|
Incidência%
no Período
|
Quantidade
Acumulada
|
Incidência
% na Qt. Acumulada
|
Cíveis
|
430
|
14,03%
|
2.721
|
13,77%
|
Comerciais
e outros
|
756
|
24,69%
|
2.991
|
15,14%
|
Trabalhistas
|
1.877
|
61,28%
|
14.050
|
71,10%
|
Total
|
3.063
|
100,00%
|
19.762
|
100,00%
|
Fonte:
www.caesp.org.br
Para
os objetivos deste trabalho, felizmente, é possível contar com a opinião
pacífica da doutrina acerca da arbitrabilidade dos conflitos relativos aos
direitos patrimoniais disponíveis.
Dentre
estes, a toda evidência, incluem-se os litígios decorrentes de relações
comerciais, sejam elas nacionais ou internacionais. A partir dessa base, pode-se proceder ao
estudo da esfera de aplicação da Lei Modelo da Uncitral, o que se faz no
próximo item.
3.2 ÂMBITO DE APLICAÇÃO
DA LEI MODELO DA UNCITRAL QUANTO Á MATÉRIA
O art. 1º da Lei Modelo busca
definir seu escopo de aplicação.
Artigo
1. Escopo de aplicação
(1)A
presente Lei aplica-se á arbitragem comercial** internacional; ela não contende
com qualquer acordo multilateral ou bilateral a que o presente Estado se
encontra vinculado.[8]
Uma nota
explicativa, no próprio artigo 1º, traz um direcionamento interpretativo sobre
o que se poderia tomar por “arbitragem comercial”:
Ao
termo “comercial” deve ser dada uma ampla interpretação, a fim de cobrir
assuntos provenientes de todas as relações de natureza comercial, sejam elas
contratuais ou não. Relações de natureza comercial incluem, mas não estão
limitadas a, as seguintes transações: qualquer transação de venda para o
fornecimento ou troca de bens ou serviços; acordos de distribuição;
representação comercial ou agência, factoring; leasing; construção civil;
consultoria; engenharia; licenciamento; investimento; financiamento; contratos
bancários; seguros; acordos de exploração ou concessão; joint-ventures e outras
formas de cooperação negocial ou industrial; transporte de bens ou passageiros
via aérea, marítima, ferroviária ou terrestre.[9]
Ressalta-se, à primeira
vista, a abrangência do conceito, representada pela longa lista de categorias
exemplificativas. Antes de analisar em profundidade a extensão do conceito,
interessa expor o que a própria comissão de redação da Lei Modelo pretendeu ao
delimitar limites tão amplos para a aplicação da Convenção. Esta informação
está disponível no site da Uncitral[10],
sob o título de Notas Explicativas (Explanatory Notes) ao texto final.
(...)
A nota de rodapé do artigo 1 prevê uma lista ilustrativa de relações que devem
ser consideradas comerciais, dessa forma enfatizando a amplitude da
interpretação sugerida e indicando que o teste determinante não está baseado no
que a lei nacional possa considerar como “comercial”.[11]
A partir deste excerto,
pode-se concluir que o objetivo do Lei Modelo foi ser o mais abrangente
possível dentro do que pode ser considerado uma relação comercial. Dessa forma,
o texto serve a vários objetivos. Em primeiro lugar, demonstra ser claramente
aplicável àqueles ordenamentos em que somente disputas de teor comercial podem
ser arbitráveis, ou seja, o texto mostra-se aplicável naquelas países em que
existe uma regulação apartada e específica para as relações comerciais.
Ao mesmo tempo, a
definição fornece balisas amplas para os países, a exemplo do Brasil, em que a
regulação da arbitragem não está adstrita formalmente a um tipo de matéria, mas
a um conjunto de preceitos, como a ordem pública, os interesses civis, as
relações contratuais, dentre outros. Nesses casos, o texto da Lei Modelo
direciona o entendimento do intérprete, levando a crer que não serão
arbitráveis todos os contratos, mas somente aqueles imbuídos de cunho
comercial. Outros tipos de contratos, como o pacto antenupcial, ainda que
arbitráveis sob os preceitos de determinado ordenamento jurídico, estarão fora
do escopo de aplicação da Lei Modelo.
Neste particular, é
interessante mencionar o posicionamento de Alan Redfern e Martin Hunter, os
quais, ao discorrer sobre o uso do termo “comercial” nas convenções
internacionais que tratam sobre a arbitragem, dizem:
Ela serve, por exemplo, para distinguir arbitragem
internacional relativa a negócios ou disputas comerciais, de arbitragens
internacionais entre estados envolvendo disputa de fronteiras e outros assuntos
políticos. Ela também serve para distinguir as primeiras das arbitragens (que
são, usualmente, mas não necessariamente domésticas) relativas a matérias como
direitos reais de propriedade, emprego e direito de família. (...) Problemas
ocasionalmente ocorrem porque cortes de alguns países adotam uma definição
estreita do que é comercial, mas a abordagem geral, internacionalmente, é
definir “comercial” de modo a abarcar todos os tipos de venda ou transações
comerciais.(REDFERN; HUNTER, 1999, p. 18).[12]
Buscando evitar desde logo
os conflitos normativos com as ordens públicas internas dos países em que venha
a ser aplicada, a Lei Modelo traz, em seu artigo 1º, parágrafo 5º, a seguinte
disposição:
(5) A presente Lei não contende com qualquer outra
lei do presente Estado em virtude da qual certos litígios não posam ser
submetidos à arbitragem ou apenas o possam ser por aplicação de disposições
diferentes das da presente Lei.[13]
De modo geral, tem-se que
a Lei Modelo aplica-se a todas as transações comerciais, amplamente
consideradas, desde que a lei interna do país não apresente restrições à
arbitrabilidade dessas matérias.
Confrontando
a noção de “Comercial” da Lei Modelo com a de “direitos patrimoniais
disponíveis” da Lei Brasileira, a conclusão a que se chega é que são conceitos
em grande parte semelhantes, todavia contando com algumas áreas de
divergências.
Iniciando
pelas áreas comuns, tem-se que, para todos os contratos privados de compra e
venda, troca, aluguel, financiamento, seguros, prestação de serviços por
pessoas jurídicas, transporte de bens para os quais não se exija licença
especial, acordos de acionistas, acordos de cooperação entre empresas,
contratos de empreitada, locação, entre outros, inumeráveis dada sua
versatilidade, tanto a Lei Brasileira quanto a Lei Modelo são aplicáveis.
Os contratos
trabalhistas, por sua vez, podem ser classificados na zona de divergência entre
os diplomas. A doutrina, conforme o excerto citado, não aponta as relações
trabalhistas/empregatícias em geral como integrante do conceito de relação
comercial. Com efeito, situações como o trabalho doméstico ou a negociação
entre sindicatos, muito embora envolvam direitos patrimoniais e sejam
efetivamente arbitradas no Brasil, dificilmente poderiam se enquadrar no mesmo
conceito de relação comercial utilizado pelo artigo 1º da Lei Modelo.
É o que se
pode extrair do documento “Analytical Commentary on the Draft Text of a Model
Law on International Commercial Arbitration”, produzido pela Uncitral, quando
diz, em comentário ao artigo primeiro da Lei Modelo:
Também sob o conceito do comercial estariam
transações como o fornecimento de energia elétrica, transporte de gás natural
via gasoduto e mesmo não-transações, como ações por danos provenientes de um
contexto comercial. Não cobertas pelo conceito estariam, por exemplo, disputas
envolvendo trabalho ou emprego, e queixas consumeristas ordinárias, apesar de
sua relação com os negócios[14].
O excerto
acima, além de clarificar o posicionamento quanto à questão trabalhista, também
introduz o tema das arbitragens envolvendo direitos do consumidor.
Autores como
Carter[15]
apontam que as relações consumeristas não podem estar sujeitas à arbitragem sob
as regras da Uncitral, apesar de estarem ligadas às questões comerciais.
Já que no que
tange à Lei Brasileira, a doutrina é relativamente pacífica em admitir a
arbitrabilidade dos conflitos envolvendo direito do consumidor, desde que a lei
aplicada nesses procedimentos seja o Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90) e que o direito discutido pertença à esfera patrimonial do
consumidor.
Nesse
sentido, é possível citar o posicionamento da Doutrina:
De maneira bastante generalizada, pode-se dizer que
a imensa maioria de lides de consumo são de ordem econômica e estão na esfera
de disponibilidade do consumidor. Porém, o legislador de consumo guindou à
posição de direito básico do consumidor a proteção à vida, saúde e segurança
(art. 6º), garantiu o respeito à sua dignidade e qualidade de vida (art. 4º) e
tipificou, além dos já existentes, alguns crimes contra as relações de consumo
(arts. 61 a 80). Desse modo, em uma análise igualmente sucinta diríamos
que estes direitos acima relacionados não poderiam ser objeto de discussão
perante o árbitro, pois além de não serem patrimoniais, ao titular não é dado
transacionar (v.g. vida). Porém, nada impede que a decorrência
patrimonial do conflito seja submetida ao "juiz privado". Ou seja,
não se concebe que um consumidor transacione a respeito de sua segurança,
entretanto, sobrevindo um acidente de consumo decorrente do Fato do Produto
o quantum da indenização pode ser submetido a um árbitro. O
mesmo se pode dizer dos crimes contra as relações de consumo que são todos
delitos de ação pública incondicionada titularizados pelo estado através do
Ministério Público. Na condição de titular do direito de ação, o Estado
representado pelo parquet submete-se ao princípio da indisponibilidade,
já o ofendido não pode dispor de direito de que não é titular. Não obstante a
isso, aplica-se o mesmo raciocínio colocado anteriormente. Ou seja, ocorrendo
um delito contra as relações de consumo, sobre o quantum debeatur de
eventual ofensa ao patrimônio do consumidor a reparação do dano poderá ser
negociada, seja perante o árbitro, seja perante a justiça estatal em eventual
ação civil ex delito.( ZULIANI,
2004).
Finalmente,
tendo em vista exaurir a questão do que se enquadra sob o termo “comercial” da
Lei Modelo, cumpre destacar outro excerto do documento “Analytical Commentary
on the Draft Text of a Model Law on International Commercial Arbitration”, que
diz:
Uma transação não tem que ser conduzida por
comerciantes para ser considerada comercial. A venda de uma casa, por exemplo,
foi considerada comercial, apesar de a venda de casas não ser a atividade
negocial regular de nenhuma das partes e a transação ter sido a única realizada
entre as partes[16].
Lastreando-se
no posicionamento acima, não resta dúvida de que a atividade que envolva a
transferência de direitos patrimoniais, ainda que não realizada habitual ou
profissionalmente, enquadra-se sob a égide da Lei Modelo.
Em relação à
legislação pátria, não há o que se discutir quanto a esse ponto, uma vez que a
lei 9.307/96 exige apenas que os direitos transacionados sejam disponíveis, sem
indicar qualquer restrição quanto ao modo de realização da transação, ou quanto
à qualidade do agente.
Em resumo,
pode-se traçar o seguinte quadro:
MATÉRIAS
EXCLUSIVAMENTE REGIDAS PELA LEI 9.307
|
MATÉRIAS TRATADAS PELA LEI 9.307 E PELA LEI MODELO
DA UNCITRAL
|
Relações de consumo.
Matérias relativas
a negociações coletivas do trabalho
|
Relações comerciais e contratuais em geral
|
Quadro I: Comparação das áreas de aplicação
3.3 A LIMITAÇÃO IMPINGIDA PELO TERMO
INTERNACIONAL NA LEI MODELO
Antes
de aprofundar o estudo sobre o campo de aplicação da Lei Modelo, é importante
ressaltar que a definição da arbitragem como sendo internacional, em
contraposição à arbitragem nacional ou interna, traz diversas conseqüências
práticas. Dentre elas, pode-se enumerar:
1.
Os
procedimentos arbitrais internacionais estão sujeitos a diversos tratados
internacionais que regulam sua execução, dentre eles a Convenção de Nova York e
a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, ambas
ratificadas pelo Brasil;
2.
A
sentença arbitral proferida em outro país deverá estar em conformidade com a
lei daquele país para que possa ser executada no Brasil, conforme se aduz dos
incisos do Art. 38 da Lei n. 9.307/96;
3.
Conforme
apontam Redfern e Hunter (1999, p. 13), outra razão para distinguir a
arbitragem interna da internacional é que, segundo a lei de alguns países, o
próprio país ou suas entidades componentes somente estarão autorizados a
ingressar em procedimentos arbitrais que digam respeito a transações
internacionais;
4.
Por
fim, a arbitragem internacional tende a ser mais complexa, devido à
possibilidade de as partes pertencerem a sistemas legais diferentes, o que
demanda maior cuidado quanto à formulação da sentença arbitral, que deve buscar
ser eficaz segundo as leis do território em que será finalmente executada.
A
Lei Modelo não regula todo tipo de arbitragem, mas unicamente os procedimentos
arbitrais considerados por ela mesma como internacionais. Nesse sentido, cumpre
observar o que o próprio texto da Lei Modelo diz a respeito de seu campo de
aplicação.
Artigo I
Campo de Aplicação
Campo de Aplicação
1 -
A presente Lei aplica-se à arbitragem
comercial internacional; ela não contende com qualquer acordo multilateral ou
bilateral a que o presente Estado se encontra vinculado.
(...)
3 - Uma
arbitragem é internacional se:
a)
as partes numa convenção de arbitragem tiverem, no momento da conclusão desta
Convenção, o seu estabelecimento em Estados diferentes; ou
b)
um dos lugares a seguir referidos estiver situado fora do
Estado no qual as partes têm o seu estabelecimento:
I)
o lugar da arbitragem, se estiver fixado na convenção de arbitragem ou for
determinável de acordo com esta;
II)
qualquer lugar onde deva ser executada uma parte substancial das obrigações
resultantes da relação comercial ou o lugar com o qual o objeto do litígio se
ache mais estreitamente conexo; ou
c)
as partes tiverem convencionado expressamente que o
objeto da convenção da arbitragem tem conexões com mais de um país.
4 -
Para fins do § 3 do presente artigo:
a)
se uma parte tiver mais de estabelecimento, o
estabelecimento a tomar em consideração é aquele que tem a relação mais
estreita com a convenção de arbitragem;
b) se uma parte não
tiver estabelecimento, revela para este efeito a sua residência habitual.
A
Lei Modelo utiliza dois critérios para definir o caráter da arbitragem.
O
primeiro refere-se ao vínculo com certo território. Trata-se de um critério
objetivo, detalhado na alínea “a” do §3° e no §4° do Art. 1°.
O
segundo, explicitado nas alíneas b e c do §3°,diz respeito à natureza da
disputa. Quanto a este critério, as notas explanatórias publicadas pela Câmara
Internacional de Comércio dispõem:
(...) a natureza
internacional da arbitragem não significa que as partes devam necessariamente
ser de nacionalidades diferentes. Por virtude de seu objeto, o contrato pode
extender-se além das fronteiras nacionais, quando, por exemplo, um contrato é
concluído entre dois nacionais do mesmo estado para performance em outro país,
ou quando é concluído entre um estado e a filial de uma companhia estrangeira
fazendo negócios naquele estado. (ICC, 1977, p. 19)[17]
Há
vários sub-critérios utilizados para definir se a disputa tem natureza
internacional. Primeiramente, pode-se fazer referência à intenção das partes no
momento da celebração da cláusula arbitral. Nesse passo, a Lei Modelo é clara
ao reconhecer que, se as partes tiverem convencionado expressamente que o
objeto da convenção da arbitragem tem conexões com mais de um país, a
arbitragem será internacional. No mesmo sentido é a previsão do inciso “I” da
alínea “b” do §3°: se as partes escolheram como local da arbitragem país
diferente daquele em que estão situadas, há uma presunção legal de que as
partes preterem a arbitragem doméstica. A corroborar a tese, entende a doutrina
internacional que a escolha da Lei Modelo da Uncitral é, em si, um forte
indicador da opção das partes pela arbitragem internacional.
Outro
fator relevante é a conexão das obrigações quanto a determinado território.
Este conceito busca encontrar, no caso concreto, elementos que indiquem que a
relação comercial objeto da arbitragem está materialmente ligada a mais de um
país. A primeira e mais óbvia forma de verificar essa hipótese é observar se o “lugar
onde deva ser executada uma parte substancial das obrigações resultantes da
relação comercial” situa-se em país diferente daquele em que as partes estão
estabelecidas, conforme a primeira parte do inciso II da alínea b do §3°. Se,
por exemplo, duas companhias de mesma nacionalidade fazem um acordo de
empreitada para execução integral de uma obra em um terceiro país, eventual
arbitragem realizada entre as partes seria, sob as regras da Uncitral,
considerada internacional.
A
parte final do inciso mencionado anteriormente traz critério menos preciso: a
“estreiteza de conexão do litígio”. Este vem sendo objeto de lapidação pela
doutrina e jurisprudência internacionais, que buscam extrair seu verdadeiro
conteúdo. Mas, apesar da intensa discussão, ainda não há um conceito pacífico
sobre o conteúdo e alcance do termo. Contudo, através de exemplos práticos é
possível vislumbrar sua ocorrência.
No
caso Vanol Far East Marketing Pte. Ltd.
v. Hin Leong Trading Pte. Ltd., julgado pela Corte Superior de Singapura, país
que adota a Lei Modelo, foi decidido que:
Ambas as
partes tinham seus estabelecimentos de negócios em Singapura, e a lei de
Singapura era a lei que regia o contrato. O pagamento e a as obrigações
indicadas foram executados em Singapura. Entretanto, as outras partes do
contrato, por exemplo, providenciar o carregamento, oferecer a notificação de
prontidão, a passagem do risco e a operação de embarque foram todas executadas
em Yosu, Coréia. Aplicando a Seção 5(2) da Lei Internacional de Arbitragem, 1994,
(Artigo 1(3)(b)) a Corte Superior decidiu que o lugar com o qual a substância
da matéria em disputa estava mais estreitamente conexo era Yosu, Coréia. Em
conseqüência, uma vez que a arbitragem era uma arbitragem internacional, a
Corte Superior rejeitou a proposta de recurso contra a decisão arbitral. [18]
Por
meio desse exemplo, é possível verificar que o critério da estreiteza de
conexão do litígio com um país implica a análise das várias circunstâncias que
rodeiam o negócio. Dentre outros, a doutrina e a jurisprudência apontam: a
existência de obrigações acessórias a serem executadas em outro país, o local
do pagamento, o país para onde deve ser encaminhada a correspondência e o local
de conclusão do contrato.
Ao contrário da Lei Modelo, a Lei n.
9.307/96 não regula a arbitragem internacional.
A lei brasileira de arbitragem, Lei nº
9.307/96, regula apenas a arbitragem doméstica. Na área internacional dispõe
sobre a forma de internalizar a sentença arbitral estrangeira, esclarecendo que
é a proferida fora do território nacional (LEMES, 2003, p. E-2).
Verificada a diferença entre o
âmbito de aplicação dos dois diplomas, percebe-se a importância de analisar
criteriosamente os elementos do caso concreto antes de optar por qual lei
regerá a arbitragem. Caso contrário, corre-se o risco de eleger a Lei Modelo
num caso que não atenda aos critérios de conexão por ela exigidos.
4. A FORMAÇÃO DA ARBITRAGEM NA LEI
9.307/96 E NA LEI MODELO DA UNCITRAL
4.1
FORMAÇÃO DA ARBITRAGEM NA LEI 9.307/96
A
fim de principiar o estudo da formação da arbitragem, isto é, da fase
“pré-arbitral”, como a define Leandro Rigueira Rennó Lima, evidencia-se
necessário percorrer as definições preliminares trazidas pela Lei de
arbitragem.
Art. 3º As
partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral
mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o
compromisso arbitral.
Art. 4º A
cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato
comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,
relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula
compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no
próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
Existindo
cláusula arbitral (que deve tomar a forma escrita), o início do procedimento
arbitral configura-se com a manifestação da parte interessada na instituição do
juízo arbitral, cabendo à outra ou outras partes, pronunciarem-se. Concordando
em cumprir o pactuado, procede-se à nomeação dos árbitros, em consonância com o
que foi estabelecido na cláusula arbitral, dispondo a lei que se considera
“instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro único, ou por
todos, se forem vários” (art. 19)
Tem-se,
pois, que o procedimento arbitral constitui ato precedente, com a manifestação
da parte interessada de seu desejo de instituir o juízo arbitral, com base na
obrigação prevista na cláusula compromissória. Caso a outra parte a isso se
recuse e não tendo a cláusula disposições preventivas acerca dessa
possibilidade, restará impedida. a instituição do juízo arbitral.
O
caminho que resta ao interessado é o de provocar o Judiciário, mediante
distribuição de ação judicial, pedindo a citação da parte renitente para
comparecer em juízo e firmar o compromisso arbitral.
Esta
ação seguirá o rito ordinário e terá prosseguimento normal, inclusive na esfera
recursal. Todavia, por força do artigo 520 do Código de Processo Civil:
Art.
520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no
entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
VI
- julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.
Conclui-se
que a apelação eventualmente interposta não terá efeito suspensivo,
possibilitando assim, o prosseguimento da arbitragem enquanto não há sentença
definitiva na esfera judicial. Em termos práticos, porém, vislumbra-se que
raramente as partes quererão iniciar um procedimento arbitral sem que haja
certeza quanto à sua validade e posterior possibilidade de execução.
Constata-se,
portanto, que a Lei 9.307 não eliminou a necessidade do compromisso arbitral,
uma vez que previu até mesmo uma ação judicial para suprir sua celebração. Tal
fato é muito criticado pela doutrina, que considera esse modelo uma herança
ultrapassada da dicotomia legal anterior, que, na contramão das legislações
mais avançadas, traça diferença entre cláusula compromissória e compromisso
arbitral.
O
art. 6º da Lei prevê que a parte interessada em instituir o juízo arbitral, com
base em uma cláusula compromissória, deverá convocar a outra “para, em dia,
hora e local certos, firmar o compromisso arbitral” Conclui-se, desse
dispositivo, que a cláusula, em caso de recusa de sua observância, não enseja,
por si só, a instituição da arbitragem, sendo necessário sempre o compromisso.
Nesse
ponto, a doutrina faz uma ressalva, apontando que, se for estabelecido que a
arbitragem observará normas de alguma entidade especializada ou contiver
previsão de outra forma para instituição do juízo arbitral, prevalecerá o
convencionado.
Como
exemplo próximo de norma institucional, pode-se mencionar o regulamento interno
da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB[19],
situada em Belo Horizonte, que sobre o assunto dispõe:
2.7
As partes e o(s) árbitro(s) deverão firmar o compromisso arbitral nos 7 (sete)
dias que se seguirem à convocação da CAMARB para fazê-lo, devendo, no mesmo
ato, efetuar o pagamento da Taxa de Administração e depositar os honorários
do(s) árbitro(s).
2.8
Se qualquer das partes, tendo celebrado cláusula compromissória que designe o
Regulamento de Arbitragem da CAMARB para reger a arbitragem, ou, após concordar
com a instauração da arbitragem administrada pela CAMARB, deixar de indicar seu
árbitro e o respectivo suplente, ou deixar de firmar o compromisso arbitral,
nos prazos acima estipulados, o Conselho Diretor da CAMARB poderá, conforme o
caso, designar o árbitro não indicado por uma das partes, ou árbitro único para
a solução do litígio, dentre os nomes que integrarem sua Lista de Árbitros. Se
for o caso, a Secretaria Geral da CAMARB convocará novamente a parte faltante
para subscrever o compromisso arbitral, no prazo de 7 (sete) dias contado do
recebimento da convocação.
2.9
Decorrido o prazo previsto no item precedente, e persistindo a omissão de
alguma das partes em firmar o compromisso arbitral, a(s) outra(s) parte(s)
poderá(ão):
(i)
requerer, na forma da lei, a citação da(s) parte(s) omissa(s) para comparecer
em juízo a fim de firmar(em) o compromisso arbitral, ou
(ii)
desde que a cláusula compromissória determine a aplicação do Regulamento de
Arbitragem da CAMARB, requerer a esta que promova o andamento da arbitragem,
devendo a parte revel, neste caso, ser intimada de todos os atos procedimentais,
podendo, a qualquer tempo, assumir o procedimento arbitral no estado em que
este se encontrar. (grifo nosso)
Todavia,
nada dispondo a cláusula compromissória sobre o assunto, há necessidade do
compromisso antes do início do procedimento arbitral. Se houver recusa da outra
parte em firmá-lo, aplica-se o procedimento do art. 7º, com requerimento ao
Juiz para citar a parte resistente “para comparecer em juízo a fim de lavrar-se
o compromisso”. Mantendo-se a recusa, ou não concordando as partes com os termos
do compromisso, decidirá o Juiz, após ouvir o réu, sobre o seu conteúdo (art.
7º, §3º).
§ 3º Não concordando
as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu,
sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas
as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10
e 21, § 2º, desta Lei.
Quanto
à previsão do firmamento judicial do compromisso arbitral, cabe mencionar o
posicionamento de José Carlos de Magalhães:
Percebe-se,
claramente, a dificuldade do legislador, ao insistir em manter a desnecessária
exigência do compromisso. Não se pode convocar alguém para firmar um contrato
–como é o caso do compromisso - cujas cláusulas não foram negociadas.
Compromisso não é contrato de adesão, nem se pode obrigar uma parte a firmá-lo,
se com ele não concordou; constitui o compromisso instrumento resultante de
negociações e de acordo de vontades. O compromisso, na verdade, é negócio
bilateral pelo qual as partes pactuam a resolução de uma controvérsia sobre bem
disponível, de caráter patrimonial, por terceiros, sem a intervenção do
Judiciário. Daí porque a infeliz disposição do artigo 7º, ao prever a citação
da parte renitente para “lavrar o compromisso”, pode suscitar dúvidas quanto ao
caráter voluntário da arbitragem, assumindo feições de arbitragem imposta,
contrariando-lhe as características principais. (...) Se a cláusula arbitral
possui compulsoriedade, não haveria, a rigor, necessidade de compromisso,
somente exigível quando não exista a obrigação previamente pactuada no
contrato. O compromisso destinar-se-ia apenas e tão somente a estabelecer as
normas de procedimento não previstas na cláusula e, nesse caso, para suprir a
lacuna bastaria aplicar normas processuais de caráter supletivo, como as
previstas nos artigos revogado do Código de Processo Civil, não substituídos
por outros pela lei atual. Tais normas preexistem ao contrato e, assim, à
cláusula arbitral; são de prévio conhecimento das partes, o que não ocorre com
decisão judicial que estabelece os termos do compromisso e com os quais podem
não concordar (MAGALHÃES, 2001, p.159).
Fato
é que, judicial ou extrajudicial, o compromisso há de ser, via de regra,
prestado antes de iniciada a arbitragem. Nesse sentido, é imperioso apontar o
art. 10 da Lei 9.307, que prevê:
Art. 10. Constará, obrigatoriamente,
do compromisso arbitral:
I
- o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;
II
- o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso,
a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;
III - a matéria que será objeto da arbitragem; e
IV
- o lugar em que será proferida a sentença arbitral.
Este artigo
será fundamental para o desenvolvimento da presente monografia. Em primeiro
lugar, porque seus requisitos são obrigatórios. De fato, a doutrina aponta que,
à falta desses requisitos, haverá nulidade do compromisso, e conseqüentemente
de toda a arbitragem.
Em segundo
lugar, tem-se que o inciso IV do artigo citado é da maior importância, uma vez
que do lugar da emissão da sentença arbitral dependerá a definição acerca do
caráter internacional da arbitragem, por força do parágrafo único do art. 34 da
Lei de Arbitragem:
Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será
reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados
internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência,
estritamente de acordo com os termos desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se sentença
arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.
(Grifo nosso)
Com efeito,
aponta a doutrina que o local dos procedimentos probatórios e processuais é
incapaz de definir a nacionalidade da arbitragem. Nem mesmo o lugar de execução
da decisão terá qualquer influência sobre o caráter internacional do
procedimento. Para tanto, o requisito essencial é o local onde será proferida a
sentença.
O caráter
nacional ou internacional do laudo arbitral, por sua vez, é importante porque
as sentenças arbitrais estrangeiras deverão ser homologadas pelo STJ (e não
mais pelo STF, por força da Emenda Constitucional n. 45) antes de sua execução
no Brasil. Para tanto, a lei estabelece alguns requisitos:
Art. 38. Somente poderá ser negada a
homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira,
quando o réu demonstrar que:
I
- as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;
II
- a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a
submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a
sentença arbitral foi proferida; Grifo nosso.
III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de
arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando
a ampla defesa;
IV
- a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de
arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à
arbitragem;
V
- a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou
cláusula compromissória;
VI
- a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes,
tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do
país onde a sentença arbitral for prolatada.(Grifo nosso)
Mais adiante, neste capítulo, estudar-se-ão
os impactos que os requisitos do artigo 10 da Lei Brasileira podem causar
quando da comparação entre o diploma arbitral pátrio e a Lei Modelo da
Uncitral.
Por ora, cabe exaurir o tema da formação da
arbitragem dentro da Lei Brasileira. Nesse sentido, tem-se que a lei considera
como ato de instituição do juízo arbitral a aceitação, pelo árbitro ou
árbitros, da nomeação feita pelas partes. De fato, é o que comanda o art. 19 da
Lei de arbitragem:
Art. 19. Considera-se instituída a
arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos,
se forem vários.
Esse ato, contudo, como salienta a doutrina,
não se confunde com o de início do procedimento arbitral, que se dá com a manifestação
da parte interessada, por meio de notificação, ou outro mecanismo previsto na
convenção arbitral que indique a intenção de submeter a controvérsia à
arbitragem. O juízo arbitral não se instituiu ainda, mas o procedimento já se
iniciou com a notificação, devendo-se observar as norma pré-estabelecidas na
convenção ou, se inexistentes, na lei.
Nesse particular, cabe retomar o
posicionamento de José Carlos de Magalhães:
Na escolha dos árbitros, as partes podem
prever impedimentos, convencionalmente, afastando pessoas determinada, em razão
de suas profissões, nacionalidade ou outro fatores que lhes dificultem a
imparcialidade. Além disso, existem impedimento legais que, no Brasil, são
estabelecidos de forma precisa no art. 14 da Lei nº 9.307/96, não podendo ser
árbitros, os incapazes, os legalmente impedidos de servir como juiz e os
suspeitos de parcialidade, tal como previsto nos arts. 134 e 135 do Código de
Processo Civil. Dessa forma o amigo íntimo ou o inimigo, o credor, o devedor, o
herdeiro ou o empregador, a pessoa que recebeu dádivas ou aconselhou a qualquer
das partes e aquele que tiver interesse no julgamento são afastados da condição
de árbitros. (MAGALHÃES, 2002, 515).
Outra questão relativa aos árbitros diz
respeito à sua vinculação ao compromisso em que são nomeados e que lhes fixa a
responsabilidade. Isto é, não basta a simples nomeação dos árbitros. A função
de árbitro implica em deveres e restrições a quem a exerce, de modo que é
imprescindível que os indicados aceitem expressamente a incumbência. Mesmo
porque, ao fazê-lo, assumem a grave responsabilidade de decidir no prazo fixado
no compromisso, sob pena de responderem pessoalmente pelos prejuízos que
causarem às partes.
Estando compromissados os árbitros e, por
força do artigo 19, instituída a arbitragem, finalizam-se os procedimentos
inicias. Tem então início a efetiva discussão do mérito dos conflitos. Vale
enfatizar que somente com a nomeação dos árbitros estará composto o tribunal
arbitral que deverá julgar o litígio, e, portanto, somente após sua nomeação
inicia-se de fato a arbitragem.
Não é impossível, contudo, que as partes
tenham concordado em arbitrar, apontado cada uma um árbitro da sua confiança,
mas que estes, por sua vez, sejam incapazes de alcançar um acordo quanto à
indicação do terceiro árbitro. Nestes casos, estará impossibilitada a formação
do tribunal. Buscando solucionar esse problema, a Lei dispôs, em seu artigo 13:
Art. 13. Pode ser
árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
§ 1º As partes nomearão
um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os
respectivos suplentes.
§ 2º Quando as partes
nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados, desde logo, a nomear
mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder
Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do
árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta
Lei.
Resta saber por quê o
legislador não adotou essa posição desde o momento de discussão da formação do
compromisso arbitral. De fato, bastaria que o juiz apontasse um ou dois
árbitros (um para a demandada e eventualmente também o terceiro), que ficariam
desde logo responsáveis pela formação do tribunal arbitral para que se extinguisse
a necessidade de interferência da jurisdição estatal dentro do âmbito privado
da arbitragem. De qualquer modo, através da ação prevista no art. 7º , tanto os
problemas surgidos no momento da firmação do compromisso quanto os problemas na
escolha dos árbitros poderão ser solucionados.
Vencidas as considerações iniciais sobre a
formação da arbitragem segundo a Lei 9.307/96, passa-se agora a discorrer sobre
o processo de formação da arbitragem segundo a Lei Modelo da Uncitral.
4.2
FORMAÇÃO DA ARBITRAGEM NA LEI MODELO DA UNCITRAL
Analogamente
à estrutura adotada no capítulo anterior, cabe aqui também iniciar a análise
pelas definições trazidas pela própria Lei Modelo:
Artigo
7[20]
Definição e Forma da
Convenção de Arbitragem
1 - “Convenção de
arbitragem” é uma convenção pela qual as partes decidem submeter à arbitragem
todos ou alguns dos litígios surgidos ou a surgir entre elas com respeito a uma
determinada relação jurídica, contratual ou extracontratual. Uma convenção de
arbitragem pode revestir a forma de uma cláusula compromissória num contrato ou
a de uma convenção autônoma.
2 - A convenção de
arbitragem deve ser reduzida a escrito. Considera-se que uma convenção tem
forma escrita quando constar de um documento assinado pelas partes ou de uma
troca de cartas, telex, telegramas ou qualquer outro meio de telecomunicação
que prove a sua existência, ou ainda da troca de alegações referentes à petição
e á contestação na qual a existência de uma tal convenção for alegada por uma
parte e não seja contestada pela outra. A referência num contrato a um
documento que contenha uma cláusula compromissória equivale a uma convenção de
arbitragem, desde que o referido contrato revista a forma escrita e a
referência seja feita de tal modo que faça da cláusula uma parte integrante do
contrato.
Como
se pode constatar, a Lei Modelo não faz diferenciação entre cláusula
compromissória e compromisso arbitral. Tudo o que é necessário para que a
arbitragem se torne exigível entre as partes é uma cláusula arbitral
(arbitration agreement), celebrada entre as partes. Mesmo as vias probatórias
expressamente admitidas pela lei demonstram seu escopo liberal e, de certa
forma, informal. O objetivo é fazer valer a cláusula arbitral, inobstante a
forma como tenha sido celebrada. Quanto a este ponto, não se pode dizer que a
Lei Brasileira seja mais ou menos exigente, porquanto também admite a
estipulação por escrito, inserta no próprio contrato ou em documento que a ele
se refira. Apenas se deve notar que a Lei Modelo buscou não deixar dúvidas
quanto à validade de instrumentos como e- mail ou fax para comprovar a
existência da cláusula arbitral.
Uma
vez que a Lei Modelo não prevê a celebração de um acordo posterior à cláusula
arbitral para que a arbitragem inicie-se, todas as suas previsões normativas
dirigem-se para os meios de composição do tribunal arbitral. Essas disposições
serão reproduzidas abaixo, e posteriormente comentadas.
Artigo 6[21]
Tribunal ou Outra Autoridade Encarregada de Certas Funções de Assistência e de Controle no Quadro da Arbitragem
Tribunal ou Outra Autoridade Encarregada de Certas Funções de Assistência e de Controle no Quadro da Arbitragem
As funções
mencionadas nos arts. 11, § § 3 e 4, 13, § 3, 14, 16, § 3, e 34, § 2, são
confiadas ... (cada Estado, ao adotar a Lei – Modelo, indica o tribunal, os
tribunais ou, para os casos em que esta lei o admitir, uma outra autoridade
competente para desempenhar essas funções.)
Quanto
ao artigo sexto, cabe relembrar que a Lei Modelo da Uncitral é um modelo de
convenção internacional, destinada a países e não a partes individuais, muito
embora tenha ampla utilização como regramento particular de procedimentos
arbitrais (tanto diretamente quanto através de câmaras arbitrais que adotam
procedimentos nela inspirados). Na condição de convenção que visa à
substituição de uma lei interna, ela faz referência aos poderes públicos do
estado que a adota. No caso de uma análise abstrata, o artigo deve ser
entendido como “as funções mencionadas nos artigos (...) são confiadas à
autoridade competente segundo as leis de cada estado”.
CAPÍTULO III[22]
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
Artigo 10
Número de Árbitros
Número de Árbitros
1 - As partes podem
determinar livremente o número de árbitros.
2 - Na falta de tal
determinação, os árbitros serão em número de três.
Artigo 11
Nomeação de Árbitros
Nomeação de Árbitros
1 - Ninguém poderá, em
razão da sua nacionalidade, ser impedido de exercer funções de árbitro, salvo
convenção em contrário das partes.
2 - As partes podem, por
acordo, escolher livremente o processo de nomeação do árbitro ou dos árbitros,
sem prejuízo das disposições dos §§ 4 e 5 do presente artigo.
3Na falta de um tal
a) no caso de uma
arbitragem com três árbitros, cada uma das partes nomeia um árbitro e dois
árbitros assim nomeados escolhem o terceiro árbitro; se uma das partes não
nomear no prazo de trinta dias a contar da recepção de um pedido feito nesse
sentido pela outra parte, ou se os dois árbitros não se puserem de acordo
quanto à escolha do terceiro árbitro dento de trinta dias a contar da
respectiva designação, a nomeação é feita a pedido de uma das partes, pelo
tribunal ou outra autoridade referidos no art.6;
b) no caso de uma arbitragem com um
único árbitro, se as partes não poderem pôr-se de acordo sobre a escolha do
árbitro, este será nomeado, a pedido de uma das partes, pelo tribunal ou outra
autoridade referidos no art. 6.
4 - Quando, durante um
processo de nomeação convencionado pelas partes,
a) uma parte não agir em
conformidade com o referido processo, ou
b) as partes, ou dois
árbitros, não puderem chegar a um acordo nos termos do referido processo, ou
c) um terceiro, aí
incluída uma instituição, não cumprir uma função que lhe foi confiada, qualquer
das partes pode pedir ao tribunal ou a outra autoridade referidos no art. 6 que
tome medida pretendida, a menos que o acordo relativo ao processo de nomeação
estipule outros meios de assegurar esta nomeação.
Da leitura dos artigos acima, evidencia-se
claramente que a posição da Lei Brasileira quanto à interferência estatal na
arbitragem é bem semelhante à posição da Lei Modelo. A única sensível diferença
é que a legislação brasileira busca acionar o judiciário para garantir a
celebração do compromisso arbitral, enquanto a Lei Modelo busca, desde logo,
constituir o tribunal.
Os procedimentos da lei são bastante claros e
dispensam maior detalhamento. Um ponto interessante, porém, que não se deve
deixar escapar é a menção à “instituição” que se faz na alínea c do parágrafo
4º. Trata-se, na verdade, da “appointing authority”, uma pessoa ou instituição,
como um renomado advogado ou a Câmara Internacional de Comércio, que ficará
imbuída do dever de apontar um ou mais árbitros, a fim de que se constitua o
tribunal arbitral.
Essa solução, bastante engenhosa, foi consagrada
pelo artigo 6º[23]
das normas de arbitragem (e não arbitragem internacional) elaboradas pela
própria Uncitral[24]
(Uncitral Arbitration Rules). Em suma, equivale ao que já foi dito no item
anterior a respeito da indicação de uma norma que regule a instituição do
procedimento arbitral, caso uma das partes se recuse a cooperar
voluntariamente. Seu objetivo é estabelecer desde logo regras claras e
executáveis a respeito da escolha dos árbitros em caso de resistência ou
desacordo das partes, visando ao máximo fugir da necessidade da jurisdição
estatal. Isto é, o parágrafo 4º, c, na verdade trás uma hipótese
presumivelmente remota, em que as partes, para fugir da morosidade da justiça
estatal, já apontaram as regras de uma “autoridade” para reger o processo de
escolha dos árbitros, mas mesmo este órgão falhou em sua função (por qualquer
motivo).
Não há previsão semelhante a governar o assunto na
Lei Brasileira de arbitragem.
Prosseguindo na análise da Lei Modelo, depara-se com
o seguinte parágrafo do artigo 11[25]:
5 - A decisão de uma
questão confiada ao tribunal ou outra autoridade referidos no art. 6, nos
termos dos §§ 3 e 4, do presente artigo, é insuscetível de recurso. Quando
nomear um árbitro, o tribunal terá em conta as qualificações exigidas a um
árbitro pelo acordo das partes e tudo aquilo que for relevante para garantir a
nomeação de um árbitro independente e imparcial e, quando nomear um árbitro
único ou um terceiro árbitro, ele terá igualmente em consideração o fato de que
poderá ser desejável a nomeação de um árbitro de nacionalidade diferente da das
partes.
A
previsão encontrada na primeira parte do dispositivo merece consideração.
Indica que a decisão judicial acerca do apontamento dos árbitros será
insuscetível de recurso. Aqui, novamente, depara-se com o problema de estudar a
aplicabilidade de uma Lei Modelo que define padrões gerais, mas que não foi
adotada pelo país. Se a Lei Modelo houvesse sido adotada pelo Brasil, a
discussão a respeito do dispositivo seria travada em outras bases:
principiológicas, constitucionais, processuais. Entretanto, o intuito deste
trabalho é analisar a compatibilidade da Lei Modelo com a Lei Brasileira,
principalmente no contexto de uma relação comercial internacional envolvendo
uma parte brasileira, em que a lei regente da arbitragem seja a Lei Modelo da
Uncitral.
Nessa
perspectiva, o parágrafo acima abrange duas possibilidades.
A
primeira é que a arbitragem seja conduzida e concluída num país:
a)
optante pela Lei Modelo da Uncitral e que não tenha feito ressalvas quanto a
este parágrafo;
b)
concomitantemente ou não com a hipótese acima, em que o ordenamento jurídico
permita às partes, contratualmente, dispor sobre normas processuais.
Nesse
caso, não haverá maiores dificuldades, uma vez que a homologação do laudo
arbitral proferido no estrangeiro segue como critério a conformidade da
arbitragem com as normas de ordem pública do país onde foi proferida (Lei
9.307/96, art. 38). Uma vez que o país sede admita a decisão em única
instância, não haverá complicações.
Outro
panorama, porém, descortina-se, caso a arbitragem ocorra no Brasil, seguindo as
normas da Lei Modelo. Isso porque, para todos os efeitos, os dispositivos da
Lei Modelo serão, sob o ordenamento jurídico brasileiro, apenas previsões
contratuais. Nessa condição, incapazes de dispor sobre matéria de ordem
pública, incluída aí a possibilidade
recursal no bojo do processo civil. Nesse caso, não resta outra possibilidade
senão a desconsideração dessa previsão, por ilegal dentro do sistema
brasileiro.
Tal
desconsideração estaria de acordo com a própria Lei Modelo, uma vez que seu
artigo 1º, parágrafo 5 prevê que, em caso de conflito entre o texto da
convenção e a lei nacional, prevalecerá a última.
Aproveitando
o ensejo, é cabível a discussão de mais um tema envolvendo a emissão, no
Brasil, de laudo arbitral baseado na Lei Modelo. Ocorre que, caso a arbitragem
ocorra no Brasil, será imprescindível, por força da Lei 9.307, que haja tanto a
cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral. Este compromisso deverá
expor, com clareza, a matéria objeto do litígio e o lugar de prolação da
sentença, sob pena de nulidade (art. 10).
Ainda
que o tema discutido na arbitragem diga respeito a uma relação internacional, e
mesmo que o laudo arbitral só produza efeitos patrimoniais fora do Brasil, as
regras da lei 9.307 tornarão o laudo inválido. Dessa forma, por ser inválido na
origem, é possível que o procedimento arbitral não possa ser aproveitado no
país onde seria executado (mesmo que esse país adote a Uncitral, conforme se
verá adiante), causando danos tanto à parte brasileira quanto a outros
possíveis interessados.
Novamente,
é caso de aplicar o disposto no parágrafo 5º do inciso 1º da Lei Modelo, e
adaptar a convenção à lei nacional. No caso de arbitragens internacionais
levadas a cabo no Brasil, imprescindível que sejam também cumpridos os
requisitos da Lei 9.307/96, notadamente quanto à produção de um detalhado
compromisso arbitral, a fim de que o laudo seja válido e eficaz dentro de nosso
território (o que é o primeiro requisito para que possa valer também fora do
Brasil.
Feitas
estas considerações, considera-se encerrado o estudo comparativo sobre a
formação da arbitragem, tanto na Lei Brasileira quanto na Lei Modelo da
Uncitral. Posteriormente neste trabalho, proceder-se-á à análise de alguns
institutos materiais dos dois diplomas.
5. PODERES DOS ÁRBITROS
E INFLUÊNCIA DO SISTEMA JUDICIÁRIO
5.1
MEDIDAS ACAUTELATÓRIAS NA LEI BRASILEIRA E NA LEI MODELO
Apesar de sua origem consensual, o
procedimento arbitral acontece em torno de um litígio. Por vezes, ocorre que
uma das partes necessite socorrer-se de medidas de urgência para proteger o
direito que está sendo discutido, ou a própria utilidade do procedimento
arbitral. Todavia, é regra que os árbitros não possuam poderes para coagir as
partes a cumprir ordens. Nesse cenário, a eficácia do procedimento arbitral
estaria comprometida caso fosse possível às partes dilapidarem seu patrimônio,
ou destruírem provas, sem que houvesse qualquer reposta impositiva da outra
parte, ou do tribunal arbitral.
Para solucionar este problema, tanto
a Lei Brasileira quanto à Lei Modelo criaram mecanismos de cooperação entre o
poder judiciário e os tribunais arbitrais, a fim de tornar possível a aplicação
de medidas de urgência, provenientes da jurisdição ordinária, sem, contudo,
descaracterizar a via arbitral.
A Lei modelo trata do assunto em
seus artigos 9º e 17:
Artigo 9º
Convenção de Arbitragem
e Medidas Provisórias Tomadas por um Tribunal
Não é incompatível
com uma convenção de arbitragem a solicitação de medidas provisórias ou
conservatórias feita por uma das partes a um tribunal, antes ou durante o
processo arbitral, bem como a concessão de tais medidas pelo tribunal.
Artigo 17
Poder do Tribunal
Arbitral Ordenar Medidas Provisórias
Salvo em convenção em
contrário das partes, o tribunal arbitral pode, a pedido de uma parte, ordenar
a qualquer delas que tome as medidas provisórias ou conservatórias que o
tribunal arbitral considere necessário tomar em relação ao objeto do litígio. O
tribunal arbitral pode exigir a qualquer das partes que, em conexão com essas
medidas, preste uma garantia adequada. [26]
Antes
de prosseguir, é importante salientar que, muito embora a tradução do termo
inglês “court” tenha sido feita como
“tribunal” no excerto acima, idéia mais precisa seria alcançada lendo o termo
como “juiz”, ou “órgão da jurisdição estatal”, que é o significado jurídico do
termo “court” na língua inglesa, e
também o significado apresentado pela própria convenção para o termo (Art.2(c))
O artigo 9º é claro ao
dizer que a parte pode, autonomamente, manejar medidas provisórias perante a
jurisdição estatal, sem descaracterizar o procedimento arbitral. O Art. 17,
embora não faça menção expressa aos tribunais nacionais, também autoriza o
recurso a eles, uma vez que seria inútil prever que o árbitro pode ordenar
medidas de urgência sem oferecer a ele os meios para concretizá-las.
A Lei Brasileira prevê o
recurso dos árbitros ao poder judiciário em duas oportunidades: para viabilizar
a produção de provas e para ordenar medidas coercitivas ou cautelares.
Art. 22. Poderá o
árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas
e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias,
mediante requerimento das partes ou de ofício.
§ 2º Em caso de
desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal,
o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da
parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas
mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral
requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente,
comprovando a existência da convenção de arbitragem.
§ 4º Ressalvado o
disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares,
os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria,
originariamente, competente para julgar a causa (grifos nossos).
Além de estar regulada na
lei, a hipótese é amplamente defendida pela doutrina. Nesse sentido, as vozes
de Sérgio Bermudes:
Não faria sentido
poderem os árbitros proferir sentença produtora (por certo, dentro dos limites
subjetivos e objetivos da coisa julgada) dos mesmo efeitos da sentença
proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 31), consistente, quando
condenatória, num título executivo judicial (CPC, at. 585, III) sem que
pudessem determinar as providências assecuratórias da eficácia desses julgados.
Por isso, há que se entender que os árbitros, posto que algo insuficiente a lei
quanto à explicitação desse aspecto, dispõem do poder cautelar necessário à
garantida da eficácia das suas decisões. Falta-lhes, isso sim, o poder de
efetivar essas decisões pela força. Podem, contudo, decretá-las, pressupondo o
acatamento das partes, possível também a cooperação do órgão judicial. Não se
esqueça de que, alternativa do processo judicial, a arbitragem, conquanto não
se destine a alivia o Judiciário, embora também produza essa conseqüência
prática, não deve onera-lo, pela instauração de um processo judicial paralelo
ao arbitral.(BERMUDES, 2002, p.280)
No mesmo sentido, a lição
de Pedro Batista Martins:
Mesmo que não constasse
expresso na lei de arbitragem, a concessão de medida cautelar ou coercitiva
seria poder implícito à função desempenhada pelo árbitro, já que a ele cabe
julgar a questão posta e buscar viabilizar o resultado final pretendido
(MARTINS, 2002, p.83).
Interessante que, segundo
Carlos Alberto Carmona, as medidas cautelares devem ser requeridas diretamente
ao tribunal arbitral, e nunca diretamente ao juiz, uma vez que a opção pela via
arbitral exclui o acesso à via judicial (antes da fase de execução da sentença).
É o que se aduz do trecho abaixo:
A parte não pode
pedir a medida cautelar ao Poder Judiciário. Havendo cláusula ou havendo
compromisso, a competência é dos árbitros. Portanto, o pedido será dirigido ao
árbitro. É o árbitro quem vai dizer se a medida deve ou não ser concedida
(CARMONA, 2002, p.114).
Como
se vê, o entendimento é bastante diverso do que se verifica no art. 9 da Lei
Modelo, que permite às partes, mesmo durante a arbitragem, recorrer diretamente
à jurisdição estatal.
Superado
este tópico, analisar-se-á uma questão específica dentro das medidas
coercitivas e cautelares, que é a produção de provas.
5.2 PRODUÇÃO
DE PROVAS NA LEI BRASILEIRA E NA LEI MODELO
Em matéria de produção de provas, os
dois diplomas apresentam regulamentação muito semelhante. Ambos concedem ao
tribunal arbitral poderes para determinar a necessidade, admissibilidade e
valor das provas a serem produzidas. Além disso, nenhum deles detalha o
procedimento de instrução de maneira abrangente. A Lei Modelo faz referência à
nomeação de peritos, mas não cobre outros aspectos. A Lei Brasileira regula, em
um único artigo, a oitiva de testemunhas. Todavia, faz referência muito
genérica aos demais meios de prova.
Por fim, ambos prevêem a
interferência do poder judiciário caso seja necessário o uso de força para a
produção das provas. A Lei Modelo concebe a hipótese de maneira totalmente
genérica. A Lei Brasileira especifica o caso da condução forçada de testemunha.
Mas logo em seguida adota a regra geral de amparo junto ao poder judiciário
para execução de medidas coercitivas, sem trazer maiores detalhes.
Abaixo, pode-se comparar os dois
textos:
Lei Modelo
Artigo 19
Determinação das
Regras de Processo
1 - Sem prejuízo das
disposições da presente Lei, as partes podem, por acordo, escolher livremente o
processo a seguir pelo tribunal arbitral.
2 - Na falta de tal
acordo, o tribunal arbitral pode, sem prejuízo das disposições da presente Lei,
conduzir a arbitragem do modo que julgar apropriado. Os poderes conferidos ao
tribunal arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade, pertinência e
importância de qualquer prova produzida.
Artigo 26
Perito Nomeado pelo
Tribunal
1 - Salvo convenção das
partes em contrário, o tribunal arbitral:
a) pode nomear um ou
mais peritos encarregados de elaborar um relatório sobre pontos específicos que
o tribunal arbitral determinará;
b) pode pedir a uma das partes que forneça ao perito todas as informações relevantes ou que lhe faculte ou torne acessíveis, para exame, quaisquer documentos, mercadorias ou outros bens relevantes.
b) pode pedir a uma das partes que forneça ao perito todas as informações relevantes ou que lhe faculte ou torne acessíveis, para exame, quaisquer documentos, mercadorias ou outros bens relevantes.
2 - Salvo convenção das
partes em contrário, se uma das partes o solicitar ou se o tribunal arbitral o
julgar necessário, o perito, após apresentação do seu relatório escrito ou
oral, participará numa audiência em que as partes o podem interrogar e na qual
podem fazer intervir, na qualidade de testemunhas, peritos que deponham sobre
as questões em análise.
Artigo 27
Assistência dos
Tribunais na Obtenção de Provas
O tribunal arbitral,
ou uma parte com aprovação do tribunal arbitral, pode solicitar assistência
para obtenção de provas a um tribunal competente do Estado. O tribunal pode
corresponder à solicitação nos limites da sua competência e de acordo com as
suas próprias regras relativas à obtenção de provas.[27]
Lei
n. 9.307/96
Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal
arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a
realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante
requerimento das partes ou de ofício.
§ 1º O depoimento das partes e das
testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por
escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos
árbitros.
§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa
causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal
arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir
sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias,
poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade
judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da
convenção de arbitragem.
§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja
proferida a sentença arbitral.
§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo
necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão
solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente,
competente para julgar a causa.
§ 5º Se, durante o procedimento arbitral, um
árbitro vier a ser substituído fica a critério do substituto repetir as provas
já produzidas.
5.2 EXECUÇÃO DAS DECISÕES
ARBITRAIS
A Lei Modelo da Uncitral não foi adotada pelo ordenamento
jurídico brasileiro. Contudo, interessa conhecer suas previsões quanto à
execução das decisões arbitrais. Isso porque nada obsta que uma arbitragem
ocorrida no Brasil venha a ser executada num outro país, por ela optante.
Ademais, a Lei Modelo traz as condições mais amplamente reconhecidas pela
doutrina internacional como necessárias para a execução das decisões arbitrais.
É fácil reconhecer nela a fonte de inspiração do legislador nacional, que
adotou texto muito semelhante. Por isso, uma maior compreensão da Lei Modelo
certamente auxiliará na interpretação da Lei Brasileira.
A
Lei Modelo prevê, quanto ao tema, o seguinte:
Artigo
35
Reconhecimento
e Execução
1.
A sentença arbitral, independentemente do país em que
tenha sido proferida, será reconhecida como tendo força obrigatória e, mediante
solicitação dirigida por escrito ao tribunal competente, será executada, sem
prejuízo das disposições do presente artigo e do art. 36.
2.
A parte que invocar a sentença ou que pedir a respectiva
execução deve fornecer o original da sentença devidamente autenticado ou uma
cópia certificada conforme, bem como o original da convenção de arbitragem
referida no art. 7 ou uma cópia certificada conforme. Se a dita sentença ou
convenção não estiver redigida numa língua oficial do Estado, a parte fornecerá
uma tradução devidamente certificada nesta língua.
Artigo
36
Fundamentos
de Recusa do Reconhecimento ou da Execução
1.
O reconhecimento ou a execução de uma sentença arbitral,
independentemente do país em tenha sido proferida, só pode ser recusado:
a)
a pedido da parte contra a qual for invocado, se essa
parte fornecer ao tribunal competente a que é pedido o reconhecimento ou a
execução a prova de:
I)
que uma das partes na convenção de arbitragem referida no art. 7 estava ferida
de uma capacidade; ou que a dita convenção não é válida nos termos da lei a que
as partes a tenham subordinado ou, na falta de indicação a este propósito, nos
termos da lei do país onde a sentença foi proferida; ou
II) que a parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada da nomeação de um árbitro ou do processo arbitral, ou que lhe foi impossível fazer valer os seus direitos por qualquer outra razão; ou
III) que a sentença tem por objeto um litígio não referido no compromisso ou não abrangido pela previsão da cláusula compromissória, ou que contém decisões que ultrapassam os termos do compromisso ou da cláusula compromissória, entendendo-se contudo que, se as disposições da sentença relativas a questões submetidas à arbitragem puderem ser dissociadas das que não estiverem submetidas à arbitragem, unicamente poderá ser anulada a parte da sentença que contenha decisões sobre as questões não submetidas à arbitragem.
II) que a parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada da nomeação de um árbitro ou do processo arbitral, ou que lhe foi impossível fazer valer os seus direitos por qualquer outra razão; ou
III) que a sentença tem por objeto um litígio não referido no compromisso ou não abrangido pela previsão da cláusula compromissória, ou que contém decisões que ultrapassam os termos do compromisso ou da cláusula compromissória, entendendo-se contudo que, se as disposições da sentença relativas a questões submetidas à arbitragem puderem ser dissociadas das que não estiverem submetidas à arbitragem, unicamente poderá ser anulada a parte da sentença que contenha decisões sobre as questões não submetidas à arbitragem.
IV)
que a constituição do tribunal arbitral ou o processo
arbitral não estão conformes à convenção das partes ou, na falta de tal
convenção, à lei do país onde a arbitragem teve lugar; ou
V)
que a sentença se não tenha tornado ainda obrigatória para as partes ou tenha
sido anulada ou suspensa por um tribunal do país no qual, ou em virtude da lei
do qual, a sentença tenha sido proferida; ou
b)
se o tribunal constatar:
I)
que o objeto do litígio não é suscetível de ser decidido por arbitragem nos
termos da lei do presente Estado; ou
II) que o reconhecimento ou a execução da sentença contraria a ordem pública do presente Estado.
II) que o reconhecimento ou a execução da sentença contraria a ordem pública do presente Estado.
2.
Se um pedido de anulação ou de suspensão de uma sentença
tiver sido apresentado a um tribunal referido no § 1, alínea a, sub-alínea v
deste artigo, o tribunal ao qual foi pedido o reconhecimento execução pode, se
o julgar apropriado, adiar a sua decisão e pode também, a requerimento da parte
que pede o reconhecimento ou a execução da sentença, ordenar á outra parte que
peste garantias adequadas. [28]
O
primeiro ponto que se deve ressaltar é que, à semelhança da Lei Brasileira, a
Lei Modelo reconhece a decisão arbitral como válida desde sua origem (Art. 35).
O recurso à jurisdição estatal será necessário apenas para executar a decisão,
e não para homologá-la.
A
Lei Modelo vai além da Lei Brasileira, pois reconhece que as decisões arbitrais
são imediatamente executáveis, independentemente do país em que foram
proferidas. Essa orientação vai ao encontro dos objetivos da Lei Modelo, uma
vez que esta pretende regular unicamente arbitragens por natureza
internacionais. Seria incoerente que ela própria exigisse a homologação de suas
decisões perante os órgãos da justiça estatal, o que restringiria a autoridade
de seu texto.
No
Brasil, o reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras depende da
homologação do Superior Tribunal de Justiça, conforme nova redação dada à Lei
9.307/96 pela Emenda Constitucional n.
45:
Art.
34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de
conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno
e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.
Parágrafo
único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida
fora do território nacional.
Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no
Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação
do Superior Tribunal de Justiça.
Contudo, os requisitos apresentados pela Lei 9.307/96
para a homologação da decisão arbitral estrangeira são muito semelhantes aos
requisitos de validade apontados pelo Art. 36 da Lei Modelo. De fato,
verifica-se que o ponto substancial da diferença é que, no Brasil, a invalidade
da decisão arbitral deverá ser alegada pela parte durante o procedimento de
homologação, enquanto que na Lei Modelo a parte deverá alegar a invalidade já
no bojo do procedimento de execução.
Para atestar a semelhança, veja-se o texto da Lei
Brasileira:
Art. 36. Aplica-se à homologação para
reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, no que couber, o
disposto nos arts. 483 e 484 do Código de Processo Civil.
Art. 37. A homologação de sentença arbitral
estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial
conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de
Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:
I - o original da sentença arbitral ou uma
cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e
acompanhada de tradução oficial;
II - o original da convenção de arbitragem ou
cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.
Art. 38. Somente poderá ser negada a
homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira,
quando o réu demonstrar que:
I - as partes na convenção de arbitragem eram
incapazes;
II - a convenção de arbitragem não era válida
segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em
virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;
III - não foi notificado da designação do
árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do
contraditório, impossibilitando a ampla defesa;
IV - a sentença arbitral foi proferida fora
dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte
excedente daquela submetida à arbitragem;
V - a instituição da arbitragem não está de
acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;
VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda,
tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido
suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.
Art. 39. Também será denegada a homologação
para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o
Supremo Tribunal Federal constatar que:
I - segundo a lei brasileira, o objeto do
litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;
II - a decisão ofende a ordem pública
nacional.
Parágrafo único. Não será considerada ofensa
à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou
domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei
processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação
postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte
brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.
Como se pode ver, o Art. 37 da Lei 9.307/96 traz
exatamente os mesmos requisitos do Art. 35 da Lei Modelo. E o Art. 38 da Lei
Brasileira, com pequenas variações na redação, é quase a transcrição do Art. 36
daquele diploma. Essa semelhança é louvável, e em muito contribui para a
facilitar a execução, no Brasil, de laudos arbitrais proferidos no exterior.
Todavia, não se deve esquecer a hipótese de execução de
laudo arbitral proferido no Brasil, segundo as regras da Uncitral. Nesse caso,
a arbitragem será considerada interna, e deverá obedecer a todos os requisitos,
formais e materiais, da Lei 9.307. Para verificar quais são estes requisitos,
cita-se o art. 37 desta lei:
Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I - for nulo o compromisso;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26
desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da
convenção de arbitragem;
V - não decidir todo o litígio submetido à
arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por
prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o
disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de
que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
Quanto ao inciso I, no capítulo 4 deste
trabalho, foram apontadas algumas considerações quanto à incompatibilidade
entre as exigências formais de validade do compromisso arbitral na Lei
Brasileira e na Lei Modelo.
Verificou-se, então, que o problema é facilmente contornável, desde que
a arbitragem interna atenda aos requisitos do Art. 10 da Lei 9.307.
No mesmo sentido, cabe comentar a exigência
do inciso III do artigo acima transcrito. Primeiramente, veja-se qual o
conteúdo do Art. 26 da Lei Brasileira, ao qual ele faz referência:
Art. 26. São requisitos obrigatórios da
sentença arbitral:
I - o relatório, que conterá os nomes das
partes e um resumo do litígio;
II - os fundamentos da decisão, onde serão
analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se
os árbitros julgaram por eqüidade;
III - o dispositivo, em que os árbitros
resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o
cumprimento da decisão, se for o caso; e
IV - a data e o lugar em que foi proferida.
Parágrafo único. A sentença arbitral será
assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do
tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não
querer assinar a sentença, certificar tal fato.
Estes requisitos devem ser
comparados aos requisitos da sentença arbitral segundo a Lei Modelo:
Artigo 31
Forma e Conteúdo da Sentença
Forma e Conteúdo da Sentença
1 - A
sentença será conduzida e assinada pelo árbitro ou árbitros. No processo
arbitral com mais de um árbitro, serão suficientes as assinaturas da maioria
dos membros do tribunal arbitral, desde que seja mencionada a razão da omissão
das restantes.
2 - A
sentença será fundamentada, salve se as partes convencionarem que não há
necessidade de fundamentação ou se se tratar de uma sentença proferida com base
num acordo das partes nos termos do art. 30.
3
– A sentença deverá explicitar sua data e o local da arbitragem, conforme
disposto no artigo 20(1). A sentença sera considerada como proferida naquele
local.
4 - Proferida a
sentença, será enviada a cada uma das partes uma cópia assinada pelo árbitro ou
árbitros, nos termos do § 1 do presente artigo.[29]
Verifica-se uma incompatibilidade
entre os dispositivos quanto a dois aspectos principais. O primeiro deles é a
existência de um relatório, exigência inexistente na Lei Modelo. O segundo, é a
necessidade de fundamentação da decisão. Verifica-se que a Lei Brasileira exige
a fundamentação da decisão e a análise das questões de fato e de direito, ainda
que a decisão tenha sido tomada por equidade.
Já na Lei Modelo, as partes podem
abdicar da fundamentação, caso a entendam como desnecessária. Percebe-se aqui a
exaltação do caráter consensual da arbitragem, até o ponto em que a própria
decisão torna-se quase um acordo, na medida em que o julgador não precisa expor
suas razões,
Esse grau de valorização da
consensualidade, entretanto, não encontra lugar no ordenamento jurídico
brasileiro. Conseqüentemente, os árbitros de uma arbitragem conduzida no
Brasil, de acordo com a Lei Modelo, deverão atentar-se para essa peculiaridade,
e expor detalhadamente os motivos da sentença arbitral, sob pena de nulidade.
Continuando a verificação do Art.
32, cumpre indagar sobre o inciso VII, que trata do prazo limite para a
conclusão da arbitragem. O inciso diz que será nula a sentença arbitral
proferida fora do prazo. Este prazo pode ser estabelecido pelas partes no
compromisso arbitral, segundo o Art. 11 da Lei Brasileira. Não é requisito
obrigatório, mas, uma vez estabelecido, deverá ser respeitado.
A Lei Modelo não trata
especificamente sobre prazos, mas aponta como causa de invalidade da decisão
arbitral qualquer desconformidade entre a convenção de arbitragem e o processo
arbitral (Arts. 34 (2)(iv), que trata do recurso judicial às decisões arbitrais
e 36(1)(a)(5), já mencionado). Logo, se, e apenas se, as partes acordaram um
prazo máximo para a conclusão da arbitragem, e este não foi respeitado, isso será
causa da invalidade da decisão, tanto na Lei Brasileira quanto na Lei Modelo.
Finalmente, é preciso comentar a exigência do
inciso VIII do Art. 32 da Lei 9.307, que diz ser nula a decisão se “forem
desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei”.
O dispositivo em questão diz:
§ 2º Serão, sempre, respeitados no
procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes,
da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
Não resta dúvida de que a Lei Modelo
busca respeitar os princípios acima elencados, os quais, no ordenamento
jurídico brasileiro, têm o status de garantias constitucionais (CR, Art. 5º,
LV). Nesse sentido, mencionem-se os seguintes artigos:
Artigo 12
Fundamentos de Recusa
Fundamentos de Recusa
1
- Quando uma pessoa for sondada com vista à sua eventual
nomeação como árbitro, ele fará notar todas as circunstâncias que possam
levantar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência. A
partir da data da sua nomeação e durante todo o processo arbitral, o árbitro
fará notar sem demora às partes as referidas circunstâncias, a menos que já o
tenha feito.
2
- Um árbitro só pode ser recusado se existirem
circunstâncias que possam levantar fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou
independência, ou se ele não possuir as qualificações que
as partes convencionaram. Uma parte só pode recusar um árbitro que tiver
nomeado ou em cuja nomeação tiver participado por uma causa de que apenas tenha
tido conhecimento após esta nomeação.
Artigo
18
Igualdade
de Tratamento das Partes
As
partes devem ser tratadas em pé de igualdade e deve ser dadas a cada uma delas
as possibilidades de fazerem valer os seus direitos.[30]
(grifos nossos)
Verifica-se, portanto, que os
princípio processuais exigidos pela Lei Brasileira são também consagrados pela
Lei Modelo. O que encerra a análise dos requisitos para execução da sentença
arbitral.
6.
CONCLUSÃO
A
proposta inicial deste trabalho foi investigar a compatibilidade dos procedimentos arbitrais previstos na Lei
9.307/96 e na Lei Modelo da Uncitral. Sob esta dúvida, encontra-se outra. Saber
se um contrato que adote a Lei Modelo da Uncitral para regular uma arbitragem
internacional seria válido e eficaz no Brasil.
Após
enfrentar vários aspectos das duas normas, dentre os quais vale mencionar seu
âmbito de aplicação, seu procedimento de formação e o procedimento requerido
para sua execução, conclui-se que os diplomas são compatíveis, todavia apenas
em parte. Mais que isso, conclui-se que a compatibilidade dos diplomas
dependerá da nacionalidade da sentença arbitral.
Conforme
demonstrou-se ao longo do texto, a Lei Modelo prescinde de algumas exigências
formais que a Lei Brasileira julga essenciais para a validade de uma sentença
arbitral interna. Dentre elas pode-se mencionar a existência de um compromisso
arbitral, e, dentro dele, o apontamento do lugar em que será proferida a
sentença.
Além
disso, algumas previsões da Lei Modelo, tal como a irrecorribilidade das
decisões judiciais que versem sobre questões incidentes da arbitragem, não
podem ser aplicadas no Brasil, uma vez que a Lei Modelo não é norma material em
nosso ordenamento, e a matéria em questão está fora do poder contratual das
partes. O mesmo raciocínio se aplica à possibilidade de as partes dispensarem a
fundamentação da sentença arbitral. Apesar de ser uma faculdade indicada pela
Lei Modelo, ela não se aplica em nosso Direito, por violar dispositivo da Lei
9.307/96.
Todavia,
há de se ressaltar que essas limitações só existem se a decisão arbitral for
proferida no Brasil, Isso porque, por força da Lei 9.307/96, serão consideradas
internas, e consequentemente deverão obedecer ao regramento nacional sobre a
arbitragem.
Já
no caso de a sentença arbitral prolatada segundo a Lei Modelo ser proferida no
exterior, não existirá qualquer óbice à sua execução no Brasil, uma vez que,
observada globalmente, a Lei Modelo não traz disposições que violem a ordem
pública nacional ou que permitam arbitragem sobre matérias proibidas pelo
Direito brasileiro.
Sob
outra ótica, nenhuma das disposições da Lei Modelo enquadra-se nos incisos do
artigo 38 da Lei n. 9.307/96, que apresenta as causas de recusa de homologação
de sentença arbitral estrangeira. Pelo contrário, observa-se que a Lei Modelo
respeita todos os bens jurídicos ali listados, quais sejam, a capacidade civil,
a validade da convenção de arbitragem segundo a lei local, o princípio do
contraditório, a limitação da sentença arbitral ao caso e a regular instituição
da arbitragem,
Feitas
estas considerações, espera-se que este trabalho tenha cumprido seu papel, ao
esclarecer pontualmente o intercâmbio possível entre a Lei 9.307/96 e a Lei
Modelo da Uncitral. A expectativa é que este seja somente o primeiro de muitos
trabalhos que busquem aprofundar o estudo da integração entre a lei brasileira
de arbitragem e a Lei Modelo da Uncitral. Sobretudo porque o assunto tem
implicações práticas imediatas, que pode beneficiar a inserção do Brasil no
mercado internacional,
Além disso, espera-se que
o trabalho represente uma contribuição para o desenvolvimento da pesquisa na
área da Arbitragem Internacional, tema ainda pouco explorado nas universidades,
mas que apresenta desafios muito interessantes a ser enfrentados. A título de
exemplo, citem-se as arbitragens multi-parte, a extensão da cláusula arbitral a
terceiros, a arbitragem envolvendo grupos de empresas e a execução
internacional de medidas cautelares arbitrais. Cada um desses temas merece
cuidadoso estudo. Se este trabalho houver despertado suficiente curiosidade
para que estes estudos sejam efetuados, seu objetivo terá sido, em grande
parte, completado.
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8, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: .
Acesso em: 25 jun. 2006.)
[1] (Texto Original)The United Nations Commission on International Trade Law
(UNCITRAL) was established by the General Assembly in 1966 (Resolution
2205(XXI) of 17 December 1966). In establishing the Commission, the General
Assembly recognized that disparities in national laws governing international
trade created obstacles to the flow of trade, and it regarded the Commission as
the vehicle by which the United Nations could play a more active role in
reducing or removing these obstacles. The Commission has since come to be the
core legal body of the United Nations system in the field of international
trade law. The Commission is composed of sixty member States elected by the
General Assembly. Membership is structured so as to be representative of the
world's various geographic regions and its principal economic and legal
systems. Members of the Commission are elected for terms of six years, the
terms of half the members expiring every three years.The Commission carries out
its work at annual sessions, which are held in alternate years at United
Nations Headquarters in New York and at the Vienna International Centre at
Vienna. Each working group of the Commission typically holds one or two
sessions a year, depending on the subject-matter to be covered; these sessions
also alternate between New York and Vienna. In addition to member States, all
States that are not members of the Commission, as well as interested
international organizations, are invited to attend sessions of the Commission
and of its working groups as observers. Observers are permitted to participate
in discussions at sessions of the Commission and its working groups to the same
extent as members. The areas in which the Commission has worked or is working
and the major results of that work are set forth below.
[2]
http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/ml-arb/06-54671_Ebook.pdf
[3]
(Texto Original) The Model Law constitutes a sound and promising basis for the
desired harmonization and improvement of national laws. It covers all stages of
the arbitral process from the arbitration agreement to the recognition and
enforcement of the arbitral award and reflects a worldwide consensus on the
principles and important issues of international arbitration practice. It is acceptable
to States of all regions and the different legal or economic systems of the
world. The Model Law is designed to meet concerns relating to the current state
of national laws on arbitration. The need for improvement and harmonization is
based on findings that domestic laws are often inappropriate for international
cases and that considerable disparity exists between them.
[4] www.arbitragem.com.br
[5]Conforme lista encontrada no site www.uncitral.org: Australia, Áustria Azerbaijão, Bahrein,
Bangladesh, Bielorússsia, Bulgária, Canadá, Chile, na China: Hong Kong, Macau;
Croácia, Chipre, Dinamarca, Egito, Alemanha, Grécia,
Guatemala, Hungria, Índia, República Islâmica do Irã, Irlanda, Japão, Jordânia,
Kenia, Lituânia, Madagascar, Malta, México, Nova Zelândia, Nigéria, Noruega, Omã, Paraguai, Peru,
Filipinas, Polônia,
República da Coréia, Federação Russa, Singapura, Espanha, Sri
Lanka, Tailândia, Tunísia, Ucrânia, dentro do Reino Unido da Grã-Bretanha e
Irlanda do Norte: Escócia; Bermudas, territórios ultramarinos do Reino Unido;
no interior dos Estados Unidos da América: Califórnia, Connecticut, Illinois,
Oregon eTexas; Zâmbia e Zimbábue.
[6] Trecho
do voto do Min. Sepúlveda Pertence, no julgamento do Agravo Regimental em
sentença estrangeira 5206-8/247, do Reino da Espanha, in Internet:
http://www.stf.gov.br. Consulta feita em 15/11/06
[7] Trecho
do voto do Min. Maurício Corrêa, no julgamento do Agravo Regimental em sentença
estrangeira 5206-8/247, do Reino da Espanha, in Internet:
http://www.stf.gov.br. Consulta feita em 15/11/06
[8] (Texto Original) This Law
applies to international commercial** arbitration, subject to any agreement in
force between this State and any other State or States.
[9] (Texto Original) The term
"
commercial"
should be given a wide interpretation so as to cover matters arising from all
relationships of a commercial nature, whether contractual or not. Relationships
of a commercial nature include, but are not limited to, the following
transactions: any trade transaction for the supply or exchange of goods or
services; distribution agreement; commercial representation or agency;
factoring; leasing; construction of works; consulting; engineering; licensing;
investment; financing; banking; insurance; exploitation agreement or
concession; joint venture and other forms of industrial or business
co-operation; carriage of goods or passengers by air, sea, rail or road.
[10]
http://www.uncitral.org/pdf/english/texts/arbitration/ml-arb/06-54671_Ebook.pdf
[11]
(Texto Original) The footnote to article 1 then provides an illustrative list
of relationships that are to be considered commercial, thus emphasizing the
width of the suggested interpretation and indicating that the determinative
test is not based on what the national law may regard as “commercial”.
[12]
(Texto Original) It serves, for instance, to distinguish international
arbitrations concerning business or trade disputes from international
arbitrations between states over boundary disputes and other political issues.
It also serves to distinguish them form arbitrations (which are usually but not
necessarily domestic) regarding such matters as property tenure, employment and
family law. (…) Problems occasionally arise because courts of particular
countries adopt a narrow definition of commecial, but the general approach,
internationally, is to define “commercial” so as to embrace all types of trade
or business transactions.
[13]
(Texto Original) Art. 4 (5) This Law shall not affect any other law of this
State by virtue of which certain disputes may not be submitted to arbitration
or may be submitted to arbitration only according to provisions other than
those of this Law.
[14]
(Texto Original) Also covered as commercial would be transactions such as
supply of electric energy, transport of natural gas via pipeline and even
"non-transactions" such as claims for damages arising in a commercial
context. Not covered are, for example, labour or employment disputes and
ordinary consumer claims, despite their relation to business.
[16] (Texto Original) A
transaction does not have to be conducted by merchants to be considered
commercial. The sale of a home, for example was considered
"commercial", even though the selling of homes was not the regular
business activity of either party and the transaction was the only transaction
between the parties.
[17]
(Texto Original) the international nature of the arbitration does not mean that
the parties must necessarily be of different nationalities. By virtue of its objects,
the contract can nevertheless extend beyond national borders, when for example
a contract is concluded between two national of the same State for performance
in another country, or when it is concluded between a State and a subsidiary of a foreign company doing business in that
State.
[18] (texto original) Both parties had their
places of business in Singapore and Singapore law was the governing law of the
contract. The payment and nomination obligations were performed in Singapore.
However, the other parts of the contract, i.e., providing the cargo, the
tendering of notice of readiness, the transfer of risks and the loading
operations were all performed in Yosu, Korea. Applying Section 5(2) of the
International Arbitration Act, 1994 (Article 1(3)(b) MAL) the High Court held
that the place of substantial performance of the contract as well as the place
with which the subject matter of the dispute was most closely connected was
Yosu, Korea. Accordingly, the arbitration being an "international"
arbitration, the High Court rejected the application for leave to appeal.
[19]
www.camarb.com.br
1. "Arbitration agreement" is an agreement by
the parties to submit to arbitration all or certain disputes which have arisen
or which may arise between them in respect of a defined legal relationship,
whether contractual or not. An arbitration agreement may be in the form of an
arbitration clause in a contract or in the form of a separate agreement.
2. The
arbitration agreement shall be in writing. An agreement is in writing if it is
contained in a document signed by the parties or in an exchange of letters,
telex, telegrams or other means of telecommunication which provide a record of
the agreement, or in an exchange of statements of claim and defence in which
the existence of an agreement is alleged by one party and not denied by
another. The reference in a contract to a document containing an arbitration
clause constitutes an arbitration agreement provided that the contract is in
writing and the reference is such as to make that clause part of the contract.
[21] (Texto Original)
Article 6 - Court or other authority for certain functions of arbitration
assistance and supervision
The
functions referred to in articles 11(3), 11(4), 13(3),14,16 (3) and 34 (2)
shall be performed by ... [Each State enacting this model law specifies the
court, courts or, where referred to therein, other authority competent to
perform these functions.
[22] (Texto Original) CHAPTER
III - COMPOSITION OF ARBITRAL TRIBUNAL
Article 10 - Number of arbitrators
1 . The parties are free to determine the number of arbitrators.
2 . Failing such determination, the number of arbitrators shall be
three.
Article 11 - Appointment of arbitrators
1 . No person shall be precluded by reason of his nationality from
acting as an arbitrator, unless otherwise agreed by the parties.
2 . The parties are free to agree on a procedure of appointing the
arbitrator or arbitrators, subject to the provisions of paragraphs (4) and (5)
of this article.
3 . Failing such agreement,
(a) in an arbitration with three arbitrators, each party shall appoint
one arbitrator, and the two arbitrators thus appointed shall appoint the third
arbitrator; if a party fails to appoint the arbitrator within thirty days of
receipt of a request to do so from the other party, or if the two arbitrators
fail to agree on the third arbitrator within thirty days of their appointment,
the appointment shall be made, upon request of a party, by the court or other
authority specified in article 6;
(b) in an arbitration with a sole arbitrator, if the parties are unable
to agree on the arbitrator, he shall be appointed, upon request of a party, by
the court or other authority specified in article 6.
4 . Where, under an appointment procedure agreed upon by the parties,
(a) a party fails to act as required under such procedure, or
(b) the parties, or two arbitrators, are unable to reach an agreement
expected of them under such procedure, or
(c) a third party, including an institution, fails to perform any
function entrusted to it under such procedure, any party may request the court
or other authority specified in article 6 to take the necessary measure, unless
the agreement on the appointment procedure provides other means for securing
the appointment.
[23] (Texto Original) Article 6
1 If a sole
arbitrator is to be appointed, either party may propose to the other:
(a) The names of one or more persons, one of whom would serve as the sole
arbitrator; and
(b) If no appointing authority has been agreed upon by the parties, the
name or names of one or more institutions or persons, one of whom would serve
as appointing authority.
2If within
thirty days after receipt by a party of a proposal made in accordance with
paragraph 1 the parties have not reached agreement on the choice of a sole
arbitrator, the sole arbitrator shall be appointed by the appointing authority
agreed upon by the parties. If no appointing authority has been agreed upon by
the parties, or if the appointing authority agreed upon refuses to act or fails
to appoint the arbitrator within sixty days of the receipt of a party's request
therefor, either party may request the Secretary-General of the Permanent Court
of Arbitration at The Hague to designate an appointing authority.
3. The
appointing authority shall, at the request of one of the parties, appoint the
sole arbitrator as promptly as possible. In making the appointment the
appointing authority shall use the following list-procedure, unless both
parties agree that the list-procedure should not be used or unless the
appointing authority determines in its discretion that the use of the
list-procedure is not appropriate for the case:
(a) At the request of one of the
parties the appointing authority shall communicate to both parties an identical
list containing at least three names;
(b) Within fifteen days after the
receipt of this list, each party may return the list to the appointing
authority after having deleted the name or names to which he objects and
numbered the remaining names on the list in the order of his preference;
(c) After the expiration of the above
period of time the appointing authority shall appoint the sole arbitrator from
among the names approved on the lists returned to it and in accordance with the
order of preference indicated by the parties;
(d) If for any reason the appointment
cannot be made according to this procedure, the appointing authority may
exercise its discretion in appointing the sole arbitrator.
4. In making the appointment, the
appointing authority shall have regard to such considerations as are likely to
secure the appointment of an independent and impartial arbitrator and shall
take into account as well the advisability of appointing an arbitrator of a
nationality other than the nationalities of the parties.
[25] (Texto Original) 5. A decision
on a matter entrusted by paragraph (3) and (4) of this article to the court or
other authority specified in article 6 shall be subject to no appeal. The court
or other authority, in appointing an arbitrator, shall have due regard to any
qualifications required of the arbitrator by the agreement of the parties and
to such considerations as are likely to secure the appointment of an
independent and impartial arbitrator and, in the case of a sole or third
arbitrator, shall take into account as well the advisability of appointing an
arbitrator of a nationality other than those of the parties.
[26] (Texto Original)
Article 9. Arbitration
agreement and interim measures by court It is not incompatible with
an arbitration agreement for a party to request, before or during arbitral
proceedings, from a court an interim measure of protection and for a court to
grant such measure. (tradução nossa).
Article 17. Power of
arbitral tribunal to order interim measures Unless otherwise agreed
by the parties, the arbitral tribunal may, at the request of a party, order any
party to take such interim measure of protection as the arbitral tribunal may
consider necessary in respect of the subject-matter of the dispute. The
arbitral tribunal may require any party to provide appropriate security in
connection with such measure.
(1) Subject to the provisions of this Law, the parties are free to agree on
the procedure to be followed by the arbitral tribunal in conducting the
proceedings.
(2) Failing such agreement, the arbitral tribunal may, subject to the
provisions of this Law, conduct the arbitration in such manner as it considers
appropriate. The power conferred upon the arbitral tribunal includes the power
to determine the admissibility, relevance, materiality and weight of any
evidence.
(1) Unless otherwise agreed by the parties, the arbitral tribunal
(a) may appoint one or more experts to report to it on specific issues to
be determined by the arbitral tribunal;
(b) may require a party to give the expert any relevant information or to
produce, or to provide access to, any relevant documents, goods or other
property for his inspection.
(2) Unless otherwise agreed by the parties, if a party so requests or if
the arbitral tribunal considers it necessary, the expert shall, after delivery
of his written or oral report, participate in a hearing where the parties have
the opportunity to put questions to him and to present expert witnesses in
order to testify on the points at issue.
The arbitral tribunal
or a party with the approval of the arbitral tribunal may request from a
competent court of this State assistance in taking evidence. The court may
execute the request within its competence and according to its rules on taking
evidence
(1) An arbitral award, irrespective of the country in
which it was made, shall be recognized as binding and, upon application in
writing to the competent court, shall be enforced subject to the provisions of
this article and of article 36.
(2) The party relying on an award or applying for its
enforcement shall supply the duly authenticated original award or a duly
certified copy thereof, and the original arbitration agreement referred to in
article 7 or a duly certified copy thereof. If the award or agreement is not
made in an official language of this State, the
party shall supply a duly certified translation thereof into such language.***
Article 36. Grounds for
refusing recognition or enforcement.
(1) Recognition or enforcement of an arbitral award, irrespective of the
country in which it was made, may be refused only:
(a) at the request of the party against whom it is invoked, if that
party furnishes to the competent court where recognition or enforcement is
sought proof that:
(i) a party to the arbitration agreement referred to in article 7 was
under some incapacity; or the said agreement is not valid under the law to
which the parties have subjected it or, failing any indication thereon, under
the law of the country where the award was made; or
(ii) the party against whom the award is invoked was not given proper
notice of the appointment of an arbitrator or of the arbitral proceedings or
was otherwise unable to present his case; or
(iii) the award deals with a dispute not contemplated by or not falling
within the terms of the submission to arbitration, or it contains decisions on
matters beyond the scope of the submission to arbitration, provided that, if
the decisions on matters submitted to arbitration can be separated from those
not so submitted, that part of the award which contains decisions on matters
submitted to arbitration may be recognized and enforced; or
(iv) the composition of the arbitral tribunal or the
arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties or,
failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where
the arbitration took place; or
(v) the award has not yet become binding on the
parties or has been set aside or suspended by a court of the country in which,
or under the law of which, that award was made; or
(b) if the
court finds that:
(i) the subject-matter of the dispute is not capable
of settlement by arbitration under the law of this State; or
(ii) the recognition or enforcement of the award would
be contrary to the public policy of this State.
(2) If an application for setting aside or suspension
of an award has been made to a court referred to in paragraph (1)(a)(v) of this
article, the court where recognition or enforcement is sought may, if it
considers it proper, adjourn its decision and may also, on the application of
the party claiming recognition or enforcement of the award, order the other
party to provide appropriate security.
[29] (Texto Original) Article 31. Form and contents of award
(1) The award shall be made in
writing and shall be signed by the arbitrator or arbitrators. In arbitral
proceedings with more than one arbitrator, the signatures of the majority of
all members of the
arbitral
tribunal shall suffice, provided that the reason for any omitted signature is
stated.
(2) The award
shall state the reasons upon which it is based, unless the parties have agreed
that no reasons are to be given or the award is an award on agreed terms under
article 30.
(3) The award
shall state its date and the place of arbitration as determined in accordance
with article 20(1). The award shall be deemed to have been made at that place.
(4) After the
award is made, a copy signed by the arbitrators in accordance with paragraph
(1) of this article shall be delivered to each party.
[30] (Texto Original) Article 12. Grounds for challenge
(1) When a person is approached
in connection with his possible appointment as an arbitrator, he shall disclose
any circumstances likely to give rise to justifiable doubts as to his
impartiality or independence. An arbitrator, from the time of his appointment
and throughout the arbitral proceedings, shall without delay disclose any such
circumstances to the parties unless they have already been informed of them by
him.
(2) An arbitrator may be challenged only if circumstances exist that
give rise to justifiable doubts as to his impartiality or independence, or if
he does not possess qualifications agreed to by the parties. A party may
challenge an arbitrator appointed by him, or in whose appointment he has
participated, only for reasons of which he becomes aware after the appointment
has been made.
Article 18. Equal treatment of parties
The parties
shall be treated with equality and each party shall be given a full opportunity
of presenting his case.
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