123 anos de Pessoa.
Feliz aniversário, Fernando Pessoa.
Pessoa lutou pela restauração da alma e do vigor do povo português. Usou da palavra para relembrar que a grandeza de Portugal não veio dos reis, mas da vontade de explorar o mundo.
A epopeia do povo português é descrita em detalhes no livro "Sagres - A Revolução Estratégica", do Prof. Luiz Fernando da Silva Pinto. Esse livro me impressionou muito porque explica a genialidade da Coroa Portuguesa, que conseguiu, em uma geração, fugir do domínio espanhol e inglês e criar um império a partir do nada.
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
(Os Lusíadas - Luiz de Camões)
Fernando Pessoa veio 300 anos depois da época das navegações e forçou os portugueses a encarar sua desgraça e decadência. A buscar, no sofrimento da pobreza e no orgulho apagado dos ancestrais, algo a que se apegar:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
(Fernando Pessoa - Mar português)
Não faria mal a nosso Brasil um pensador que nos revelasse nossa arruinação e mediocridade de maneira tão bonita.
Hoje Portugal está de novo às portas da bancarrota. A força de Pessoa oxalá ajude-os.
Hoje o Brasil está entregue à própria preguiça. Aqueles que souberem ler (qualquer aluno da oitava série, com sorte), leiam Sócrates (não o político português hodierno. O filósofo grego mesmo) e Fernando Pessoa.
O NOSSO DIREITO MARÍTIMO (QUE REGE O PRÉ-SAL) DEVE MUITO A PORTUGAL
O post , a partir de agora, se torna jurídico porque destaca uma deliciosa idiossincrasia do Direito Brasileiro: a parte marítima do antigo Código Comercial, que ainda está em vigor.
Num país com uma costa desmesuradamente grande, em que se extrai petróleo a profundidades abissais e em que empresas estrangeiras ensaiam o início da pesca industrial em larga escala, é curiosíssimo pensar que o direito que regula as plataformas marítimas da Petrobrás, os navios tanques, os embarques e desembarques do Porto de Santos, em suma, todos as embarcações do São Francisco ao Rio da Prata, ainda traz o viço e o antigo glamour da época do império.
Se eu sou inteiramente contra a proibição de venda de imóveis rurais a estrangeiros, não acho pilares morais para combater a proibição de registro de embarcações nacionais sob o nome de firmas estrangeiras.
Não porque eu tenha qualquer razão lógica ou econômica para tanto. Mas porque adoro pensar que, no Brasil, tanto o menor barco de pesca quanto o maior cargueiro só podem singrar por graça e benção dos bons favores do Imperador.
É o que diz a lei, pelo menos:
Código Comercial (1850):
Art. 457 - Somente podem gozar das prerrogativas e favores concedidos a embarcações brasileiras, as que verdadeiramente pertencerem a súditos do Império, sem que algum estrangeiro nelas possua parte ou interesse.
Provando-se que alguma embarcação, registrada debaixo do nome de brasileiro, pertence no todo ou em parte a estrangeiro, ou que este tem nela algum interesse, será apreendida como perdida; e metade do seu produto aplicado para o denunciante, havendo-o, e a outra metade a favor do cofre do Tribunal do Comércio respectivo.
Os súditos brasileiros domiciliados em país estrangeiro não podem possuir embarcação brasileira; salvo se nela for comparte alguma casa comercial brasileira estabelecida no Império.
ENTÃO O BRASIL PRECISA DE UM NOVO CÓDIGO COMERCIAL?
A suposta desatualização das regulações do Direito Marítimo é frequentemente levantada como indicativo da necessidade de um novo Código Comercial para o Brasil.
Embora o tema seja muito controverso, e embora a elaboração de um novo código comercial conte com o apoio de vários mestres ilustres, eu arrisco aqui o meu palpite: Não precisamos dele.
A maioria dos defensores de um novo código comercial acredita que, através de uma nova lei, será possível evitar que os maiores ultrajes e ataques às empresas brasileiras sejam evitados. Dentre eles:
-A desconsideração da personalidade jurídica como primeira medida adotada na execução trabalhista e na execução fiscal, como se as empresas não tivessem outra razão de existir que não a fraude aos credores;
-Ausência de varas especializadas em conflitos empresariais mais complexos.
Seria maravilhoso se esses dois males fosse resolvidos através de uma canetada.
Mas os defensores do novo código estão errados. Esse não é o caminho.
Os tribunais brasileiros desconsideram a personalidade jurídica das empresas de forma indiscriminada por um motivo claro. Não é por falta de lei, mas porque o peso político de quem está cobrando o crédito (os órgão de arrecadação tributária, que no fim são responsáveis pelo pagamento dos juízes, ou os "pobres" trabalhadores) é maior do que a segurança jurídica de quem está produzindo a riqueza que sustenta o país (os empresários).
Ou seja: o cidadão abre uma empresa porque deseja assumir os riscos da empreitada empresarial sem comprometer o patrimônio de sua família. Mas os juízes se esquecem disso, e consideram que todo empresário responde pessoalmente pelas dívidas da empresa. Por que? Porque é difícil negar comida ao trabalhador ou filé ao leão. E fácil negar comida ao empresário, mesmo que seja o dono de uma micropadaria.
A verdade é que o judiciário brasileiro se acovardou perante os cobradores de impostos e perante a grande massa portadora de Carteiras de Trabalho. Logo, é debalde mudar a lei. É preciso reformar a cultura dos juízes. A lei já é tão boa quanto pode ser.
Inclusive, à medida em que as transações de vulto passam a se concentrar na Bolsa de Valores, seria uma posição muito mais estratégica para o empresariado brasileiro buscar influenciar a criação de normas sublegais, tais como atos normativos da CVM, que tornem a atividade empresarial cada vez mais complexa e ininteligível para os credores comuns e para os juízes não especializados.
Com uma legislação mais complexa, as empresas poderão elaborar blindagens fiscais, patrimoniais e societárias cada vez mais elaboradas e eficientes. E realizarão, por meio da opressão intelectual e do lobby, o que não conseguiram realizar através da legislação às claras, uma vez que a legislação civil foi deturpada.
O Código Comercial é apoiado por algumas das instituições mais respeitáveis e úteis do país: A OAB-SP, a FIESP e a CNI.. Não posso discutir a boa intenção dessas instituições. Mas realmente acho que elas caminham para a frustração, pois não identificaram a podridão subjacente ao sistema.
Afinal, de que adianta uma boa lei comercial se as empresas são vítimas de uma lei tributária sádica e de uma lei trabalhista mais autoritária do que os caprichos das ditaduras que já vivemos?
Além do mais, nenhum código comercial futuro pode ser mais elegante do que o vigente.
"Marinha mercante" nunca será "corpo de embarcações do Império".
Excelente!
ResponderExcluirSem dúvida, o melhor blog de direito internacional da atualidade.
Parabéns pelo texto rico em referências literárias e instigador do ponto de vista jurídico.