sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Contratos Internacionais entre os Países do BRIC


Estive ausente por alguns dias, mas por uma boa causa. Estava me dedicando a um artigo sobre os contratos intenacionais entre os páises do bloco mais importante do mundo hoje: o BRIC (Brasil, Russia, India e China)

O trabalho é absolutamente pioneiro e eu estou muito feliz por tê-lo feito. É inconcebível que um grupo de países com tanto potencial não tenha sido ainda objeto de estudo sob o ponto de vista jurídico.

O artigo também está disponível no meu Google Docs:

Vamos a ele:

CONTRATOS INTERNACIONAIS ENTRE OS PAÍSES DO BRIC
Normas aplicáveis às operações internacionais de compra e venda e à arbitragem comercial internacional


Adler Martins
Pedro Gustavo Gomes Andrade
Renato Schweizer


1. O “SONHO” DOS BRICs

A discussão acerca dos BRICs teve início no ano de 2001, em um relatório do grupo Goldman Sachs intitulado Building Better Global Economic BRICs (em inglês, o nome é um trocadilho com a palavra Brick, que quer dizer tijolo), no qual foi feita uma previsão de que, até 2050, Brasil, Rússia, Índia e China ultrapassariam, em termos de PIB, a economia dos seis países mais industrializados do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália).
Desde então, outros relatórios foram publicados pelo mesmo grupo, em 2003 e 2005, confirmando o prognóstico . Em 2007, foi publicado o livro BRICs and Beyond, que buscou reavaliar as hipóteses dos estudos anteriores e que apontou o dado otimista de que as economias dos BRICs cresceram muito acima das expectativas do início da década. Os primeiros estudos do grupo Goldman Sachs talvez tenham sido demasiado conservadores - não sendo o BRIC um mero “sonho”, como definido pelas hipóteses iniciais - pois, enquanto se esperava que os países alcançassem cerca de 10% do PIB mundial ao final de 2010, já em 2007 eles possuíam 15%.
Ressalte-se que, após a crise econômica de 2008-2009, uma nova publicação do grupo Goldman Sachs afirmou, categoricamente, que os BRICs foram os países a se recuperar mais rapidamente da crise. Notavelmente, parte do bom desempenho econômico dos BRICs deve-se ao comércio entre eles próprios.
O Brasil, por exemplo, beneficiou-se do fato da China ter se tornado seu maior importador durante vários meses de 2009, conforme estatísticas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil (MDIC). Atualmente, a China insinua-se como o maior parceiro comercial do Brasil. Conforme dados do MDIC, de janeiro a julho de 2010 o valor em exportações do Brasil para a China foi aproximadamente 40% maior do que o valor de exportações do Brasil para os Estados Unidos.
Neste prisma, dados do FMI ainda indicam que os BRICs foram, sozinhos, responsáveis por mais de 50% da produção adicional de riqueza no mundo na década de 2000-2010.
Ao mesmo tempo, os países do BRIC desenvolveram suas relações diplomáticas e formaram coalizões fora do âmbito econômico. Para citar alguns exemplos, pode-se apontar o papel do Brasil e da Índia nas reivindicações em prol das economias emergentes nas negociações de Doha; o fórum IBAS, entre Índia, Brasil e África do Sul, que reúne três democracias de três continentes; a coalizão do BASIC, formada por Brasil, África do Sul, Índia e China, que buscou a defesa de interesses comuns sobre questões ambientais e climáticas entre os países na recente Conferência de Copenhague; além da participação dos países no G-20, que engloba, além do G-7, uma série de países periféricos que, cada vez mais, buscam aumentar seu poder de reivindicação acerca de questões financeiras globais.
Brasil e Índia também buscam - juntamente com Alemanha e Japão, no chamado G-4 - um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que já possui outros dois países BRIC: China e Rússia.
É importante notar que as relações descritas acima geram consequências e necessidades que vão além da esfera econômica. Se é evidente que haverá uma aproximação econômica entre os países do BRIC no futuro, afigura-se necessário estudar o arcabouço jurídico dos membros do grupo, em especial no que concerne aos contratos internacionais, a fim de eliminar os entraves à integração econômica no âmbito do BRIC.
Nesse contexto, o objetivo deste artigo é analisar a legislação interna e as convenções internacionais ratificadas por cada um dos países do acrônimo BRIC, a fim de orientar empresários e advogados que lidem com contratos internacionais nessas nações. Serão abordadas, especificamente, as normas aplicáveis aos contratos internacionais de compra e venda e à arbitragem comercial internacional.

2 PRINCIPAIS CONVENÇOES A SEREM ANALISADAS

2.1 Convenção de Viena sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias

Existem diversas organizações internacionais que têm como propósito a criação de normas uniformes para o comércio internacional.
Dentre elas, a UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law – Comissão das Nações Unidas para o Direto do Comércio Internacional) é uma das mais destacadas, e tem cumprido um papel fundamental na elaboração de normas uniformes para o comércio.
Especificamente no caso dos contratos sobre compra e venda de mercadorias, a convenção mais importante sobre o tema é certamente a Convenção de Viena sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em inglês), elaborada sob os auspícios da UNCITRAL, em 1980.
Em seu preâmbulo, já se percebe que a adoção de regras uniformes é seu propósito fundamental:

[Os Estados parte desta convenção] (...) Acreditando que a adoção de regras uniformes para reger os contratos de compra e venda internacional de mercadorias, que contemplem os diferentes sistemas sociais, econômicos e jurídicos, contribuirá para a eliminação de obstáculos jurídicos às trocas internacionais e promoverá o desenvolvimento do comércio internacional, decidem (...)

Ratificada atualmente por 74 países , representantes de mais de 90% do comércio global de bens (GAMMA JR, 2009), ela é um dos tratados internacionais sobre legislação comercial mais bem sucedidos da história, sendo classificada por alguns autores como a Carta Magna do comércio internacional (ZELLER, 1999), ou como uma “inesperada história de sucesso”, nas palavras do Prof. Schlechtriem
Dentre os temas abordados pela CISG estão: a formação e o modo de conclusão de contratos internacionais de comércio; a obrigação do vendedor de entrega das mercadorias e a obrigação do comprador de pagar; os direitos das partes no caso de violação do contrato; exceções para a responsabilidade pela quebra do contrato, como a ocorrência de eventos de força maior; dentre outros.
O objetivo da CISG ao dispor sobre esses temas foi estabelecer normas fundamentais sobre as quais poderia haver um consenso razoável entre países de diversas culturas e sistemas jurídicos, mesmo que alguns deles não fossem partes da Convenção.
Deve-se ressaltar que a CISG aplica-se apenas à venda de mercadorias, entendidas como produtos corpóreos. Estão excluídas de sua regência, portanto, a venda de serviços, transações financeiras ou aluguel de mão de obra.
Mais à frente, a posição de cada um dos BRICs frente à CISG será analisada em detalhes.

2.2 Arbitragem Internacional e Reconhecimento de Laudos Arbitrais

A arbitragem comercial internacional é um instrumento de enorme relevância em negociações e contratos internacionais de comércio. A arbitragem possui vantagens em relação aos tribunais nacionais, sendo não somente um mecanismo geralmente mais rápido e econômico que os meios processuais tradicionais, mas também frequentemente mais conveniente. Ela pode ser levada a cabo maneira sigilosa, e, por permitir que as partes escolham a lei aplicável, resolve o problema do desconhecimento do ordenamento jurídico da outra parte.

Duas são as principais convenções internacionais a respeito da arbitragem:

2.2.1 Lei Modelo de Arbitragem da UNCITRAL de 1985

Com o objetivo de harmonizar as diversas legislações nacionais sobre o tema, um comitê formado por representantes de 58 países, incluindo o Brasil, e 18 organizações internacionais, presidido pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, discutiu durante três anos os termos de uma lei-modelo sobre arbitragem.
A Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n.40/72, de 11.12.1985, aprovou o texto final dessa Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional, no fechamento da 18º sessão anual da comissão. A assembléia geral, em sua resolução 40/72 de 11 de dezembro de 1985 recomendou que:

Todos os Estados deem devida consideração à Lei Modelo sobre arbitragem comercial internacional, em vista do desejo de uniformidade da direito dos procedimentos arbitrais e das necessidades específicas da prática do comércio internacional (UNCITRAL, 1985).

Por contar com a adesão de países que movimentam dois terços do comércio mundial, a Lei Modelo da Uncitral obteve êxito. Seu texto solucionou várias falhas das convenções anteriores, além de influenciar a revisão dos regulamentos arbitrais das principais câmaras de arbitragem. Além disso, influenciou grande parte das legislações internas sobre arbitragem, promulgadas após sua aprovação. A Lei Modelo aborda a arbitragem desde sua formação até a execução do laudo final, constituindo um código relativamente completo, apto a regulamentar todo o procedimento arbitral.

2.2.2 Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras

Esta convenção é de suma importância, pois prevê que, entre os estados contratantes, a arbitragem seja reconhecida como forma válida e legal de solução de conflitos, além de permitir que laudos arbitrais estrangeiros sejam executados em tribunais locais, em cada um dos países contratantes. Em suma, a Convenção de Nova Iorque possibilitou aos particulares libertarem-se da insegurança dos tribunais nacionais de países desconhecidos, uma vez que tornou praticamente livre a escolha do foro e das leis a reger um conflito. Sua importância não pode ser subestimada.
Segundo as Nações Unidas

A Convenção é largamente reconhecida como um instrumento basilar da arbitragem internacional e prevê que tribunais dos países signatários conheçam e declarem efetiva a convenção arbitral quando se depararem com uma ação coberta por uma convenção de arbitragem; ademais, que reconheçam e executem decisões arbitrais proferidas em outros estados contratantes, sujeitando-as a exceções específicas e limitadas. A Convenção entrou em vigor em 7 de junho de 1959. .

A posição de cada um dos BRIC frente à arbitragem será detalhada no tópico 4.


3 O ORDENAMENTO JURÍDICO DOS BRICS E A CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE COMPRA E VENDA INTERNACIONAL DE MERCADORIAS

3.1 Legislação dos BRICs sobre Contratos Internacionais Comerciais

A Convenção das Nações Unidas sobre a Venda Internacional de Mercadoria (United Nations Convention on the International Sale of Goods - CISG) foi elaborada visando à harmonização das leis comerciais e, em última conseqüência, o aumento das transações comerciais entre os países signatários.
Embora as vantagens sejam muitas e aparentes, dentre os países do BRIC os únicos que ratificaram a CISG até o momento foram a Rússia e a China. E ainda, sobre as suas ratificações, cabe notar que ambos os países proferiram reservas, como será abordado abaixo.

3.1.1 Aplicação da CISG na China

A China ratificou a CISG em dezembro de 1986. Contudo, adotou uma reserva significativa ao texto: comprometeu-se a aplicar a CISG somente se o outro país envolvido na transação também a adote.
Sobre esta reserva, o renomado autor Peter Schlechtriem tece comentários interessantes:

As consequências do artigo 1(1)(b), que dita que partes em estados não signatários da convenção poderiam ter que se sujeitar à aplicação da CISG, (...) encontrou sérias objeções em Viena, e só foi aceita devido a uma composição a permitir aos países adotar a reserva de que um estado signatário poderia declarar não estar vinculado ao artigo 1(1)(b). (tradução nossa)

Como consequência imediata da posição chinesa, percebe-se que a aplicação imediata da CISG nos contratos entre China e países BRIC fica restrita aos acordos com empresas da Rússia.
Dizendo de outra forma, com bem nota CHEN Weizuo em artigo intitulado “O conflito de leis no contexto da CISG: Uma perspectiva chinesa”, (No original: “The Conflict of Laws in the Context of the CISG: A Chinese Perspective”): "ainda que as leis de conflito de leis dos países envolvidos apontem para a lei Chinesa que regule os contratos internacionais, a CISG só será aplicada se ambos os estados envolvidos forem signatários da CISG”.
Conseguintemente, nos contratos entre Brasil e China e entre Índia e China existe a possibilidade de que a legislação aplicável seja a legislação chinesa interna, especialmente a “Lei sobre Contratos da República Popular da China de 1999” e diploma intitulado “Princípios Gerais de Direito Civil da República Popular da China”. Se este não for o desejo das partes, estas devem precaver-se, estudando previamente as leis de conflito de leis aplicáveis ao tipo de contrato.
Em relação à aplicação do Direito chinês, é interessante notar que a Lei Chinesa permite às partes escolher a lei aplicável aos contratos internacionais. Esta faculdade é sempre interessante, pois autoriza às partes a escolha de um ordenamento jurídico neutro em relação às partes ou, em alguns casos, mais favorável aos objetivos do negócio.
Contudo, devemos entender que, num contrato entre um trader brasileiro e um exportador chinês, não é possível escolher a aplicação da CISG, uma vez que a lei chinesa expressamente diz que esta não seria aplicável. Não obstante, seria possível escolhê-la pela via indireta, ao indicar a lei da Rússia como lei aplicável, por exemplo.
Por fim, a aplicação da CISG ainda seria possível em um contrato sino-indiano ou sino-brasileiro caso as partes adotem a arbitragem, como será abordado em tópico específico.



3.1.2 Aplicação da CISG na Rússia

De acordo com o disposto no Artigo 1, parágrafo (a) da CISG , contratos internacionais de compra e venda de mercadorias entre a Rússia e China serão, a princípio, regidos pela CISG.
Contudo, diferentemente da China, a Rússia não adotou reservas em relação ao parágrafo (b) do referido artigo. Ou seja, a Rússia aceitou como aplicável a CISG quando as leis de conflito de leis dos países envolvidos indicarem a lei de um país signatário da convenção.
Dessa forma, contratos entre Brasil e Rússia e entre Índia e Rússia poderão ser regidos pela CISG, desde que, após analisado o caso, as leis de conflito de leis indiquem o ordenamento russo como dominante na questão.
Esta possibilidade soma-se ao fato de que a Rússia aceita que as partes escolham a lei aplicável, o que permite o planejamento legal dos contratos celebrados com empresas naquele país.

Nas palavras da Doutrina autorizada :

De acordo com as leis de conflito de leis da Rússia, as partes de um contrato, quando uma delas é estrangeira, podem escolher a lei aplicável aos seus direitos e deveres naquele contrato, o que inclui contratos de compra e venda, desde que a escolha não interfira na aplicação de regras mandatórias do país com o qual o contrato está mais proximamente conectado.
Na falta de um acordo entre as partes em relação à lei aplicável o direito do país com o qual o contrato está mais proximamente relacionado deverá ser aplicado. Geralmente, o Direito do país mais proximamente relacionado é entendido como as leis do país em que a parte que executa a obrigação crucial do contrato tem seu domicílio ou sede de atividades (o vendedor numa transação de compra e venda; o mutuante numa operação de empréstimo, (...) etc.) (tradução nossa)


O mesmo se pode vislumbrar pelo comentário abaixo :

As normas de conflito de leis da Rússia estão contidas nos “Fundamentos da Legislação Civil da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”, de 1991, que ainda estão em vigor na Federação Russa. (...) Sob o artigo 166 dos “Fundamentos”, as partes num contrato de construção são livres para escolher a lei de regência. Entretanto, se não houver acordo expresso, a lei de regência será a do país em que o projeto está sendo erigido. Isso corresponde à prática costumeira de adotar a lei do país do projeto como lei aplicável (tradução nossa)


Em suma, conclui-se que contratos entre Brasil e Rússia e Índia e Rússia podem eleger a CISG como lei aplicável, caso esta não se aplique automaticamente.


3.1.3 Aplicação da CISG na Índia e Brasil

Nenhum desses países adotou a CISG. Contudo, o Direito indiano aceita a escolha da lei pelas partes. Logo, as partes poderiam indicar a Lei de um país que aplique a CISG, a fim de utilizá-la em seus contratos. Essa indicação, contudo, tem algumas limitações, resumidas com clareza no trecho a seguir:


(...) partes que celebram contatos com empresas indianas, sendo estes contratos regidos pelo direito estrangeiro, devem observar que, se uma ação com base nesse contrato for proposta perante uma corte indiana, as leis estrangeiras deverão ser provadas como um fato comum, e atestadas por especialistas. Além disso, as partes não podem, por contrato, conferir jurisdição a um foro que não tenha jurisdição sobre o objeto da disputa (Patel Roadways v. Prasad Trading Company, AIR 1992 SC 1514).
Também, para se escolher uma dentre duas jurisdições através de cláusula contratual, ambas as jurisdições devem ter competência, e o contrato dever ser claro e não ambíguo em sua cláusula de escolha de foro. (Tradução nossa)


Já no Brasil, a escolha da lei aplicável aos contratos internacionais não é uma opção, exceto nos casos em que há arbitragem. Segundo a lei de conflito de leis brasileira (O Decreto-Lei n. 4.657, de 1942, intitulado Lei de Introdução ao Código Civil), contratos entre ausentes (ou seja, contratos celebrados à distância) são sempre regidos pela lei do domicílio do proponente (Art. 9, parágrafo 2º).
Portanto, empresários dos países BRIC devem ficar atentos às seguintes situações:
Em contratos com o Brasil, sempre que a proposta (entendida como a última oferta que não sofreu alterações) for enviada pela parte situada no Brasil, a lei aplicável perante as cortes brasileiras será a do Brasil. Nesse caso, a CISG nunca poderá se aplicável, pois o Código Civil Brasileiro regerá a transação.
Por outro lado, sempre que a versão final da proposta for enviada por empresas Indianas, Russas ou Chinesas, a lei de cada um desses países deverá ser aplicada pelas cortes brasileiras.
Ou seja: em contratos regidos pela lei brasileira, a cláusula de escolha da lei aplicável é nula. Todavia, se o mesmo contrato, com a mesma cláusula de escolha de leis, for regido pelo ordenamento jurídico de outros países do BRIC, ele será válido, e poderá ser questionado frente a cortes brasileiras ou mesmo frente a cortes russas, chinesas ou indianas, para posterior execução no Brasil.


3.2 RECONHECIMENTO DE MANIFESTAÇÕES DE VONTADE NÃO ESCRITAS NA CHINA E NA RÚSSIA

A CISG não se preocupa em abordar as questões relativas “à validade do contrato ou de qualquer das suas cláusulas, bem como à validade de qualquer uso ou costume” . Entretanto, a convenção possui, em seus artigos de 14 a 28, diversos dispositivos concernentes à formação do contrato internacional de compra e venda de mercadorias, tais como a necessidade ou não de forma escrita, a definição do conceito de oferta e sua força vinculante.
Neste sentido, a Convenção adota uma postura liberal, não limitando essas manifestações de vontade meramente à forma escrita, conforme seu artigo 11: “O contrato de compra e venda não requer instrumento escrito nem está sujeito a qualquer requisito de forma. Poderá ele ser provado por qualquer meio, inclusive por testemunhas.”
Todavia, tal dispositivo é virtualmente ineficaz no âmbito da aplicação da CISG no bloco BRIC, uma vez que tanto Rússia quanto China adotaram a reserva do artigo 96 da Convenção, que veta o reconhecimento de qualquer manifestação de vontade tendente a celebrar, modificar ou aceitar um contrato de compra e venda que não seja expressa na forma escrita . Logo, entre esses dois países a negociação dos contratos de compra e venda deve ser rigorosamente documentada por escrito, sob pena de invalidade.


3.3 RECONHECIMENTO DE MANIFESTAÇÕES DE VONTADE NÃO ESCRITAS NO BRASIL E NA ÍNDIA

No Direito brasileiro, o Código Civil prevê o poder vinculante das propostas comerciais, não importa por quais meios tenham sido feitas.
Determina seu artigo 427 que “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso”.
E ainda, conforme seu artigo 429, “A oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.”
Há, portanto, um viés protetivo em relação ao promitente comprador no Direito brasileiro. Entretanto, para a promessa ou oferta revestir-se de força vinculante, ela deverá conter os elementos essenciais do contrato de compra e venda: objeto lícito e possível, valor e um destinatário determinado ou determinável.
Em tese, não há no Brasil a necessidade de forma escrita para a formação do contrato de compra e venda de mercadorias, podendo a manifestação de vontade ocorrer por quaisquer meios. Contudo, uma série de problemas práticos poderá surgir caso um contrato internacional, ou uma promessa de compra e venda internacional não possua a forma escrita, principalmente na seara da oponibilidade a terceiros ou dos meios de comprovação perante um tribunal
Nesse passo, não há impedimento de que uma promessa de compra e venda feita em formato eletrônico, como através do e-mail, possa vincular as partes. Entretanto, a lei brasileira ainda não prevê esta modalidade de comércio expressamente, e, ao contrário de países como a China, até o momento não ratificou nenhuma das convenções da UNCITRAL sobre o comércio eletrônico tais como: a Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico de 1996 e a Lei Modelo sobre Assinaturas Eletrônicas de 2001.

Na Índia, há também uma abordagem bastante aberta aos meios de prova aplicáveis aos contratos. Conforme a Lei de Contratos da Índia, de1872 :


Seção 3
Comunicação, aceitação e revogação de propostas
A comunicação de propostas, a aceitação de propostas e a revogação de propostas e aceitações, respectivamente, são consideradas como feitas por qualquer ato ou omissão da parte proponente, aceitante ou revogante, através do qual a parte tencione comunicar tal proposta, aceitação ou revogação, ou que tenha o efeito de comunicá-las. (tradução nossa)



Em geral, tal artigo tem sido interpretado pelas cortes indianas de modo amplo. Percebe-se na Índia a tendência de aceitar várias fontes probatórias como aptas a comprovar a realização dos negócios jurídicos.


4 O ORDENAMENTO JURÍDICO DOS BRICS E A ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

4.1 Apontamentos Gerais

Sendo a arbitragem um tema amplo, este capítulo concentrar-se-á apenas nas normas essenciais de cada um dos países BRIC a esse respeito.
Numa primeira análise, percebe-se que todos os países em estudo reconhecem a validade da cláusula contratual de arbitragem, e inclusive a possibilidade de execução de laudos arbitrais estrangeiros. A seguir, algumas considerações pontuais:

4.2 A Arbitragem na China

A arbitragem na China é regulamentada pela Lei de Arbitragem da República Popular da China, de 1994 . Essa lei tem clara inspiração na Uncitral, o que facilita sua interpretação.
Via de regra, todas as disputas comerciais privadas poderão ser submetidas à arbitragem. Os temas vedados pela referida lei estão listados no Art. 3.

Artigo 3
As seguintes disputas não deverão ser submetidas à arbitragem:
1 disputas sobre casamento, adoção, guarda, manutenção de criança e herança; e
2 disputas administrativas englobadas na jurisdição do órgão administrativo relevante de acordo com a Lei.


A China adota o sistema de total vedação do recurso a tribunais internos em casos sujeitos à arbitragem conforme artigo 5° da Lei de Arbitragem e o artigo 257 da Lei Processual Civil.

Artigo 5
Uma corte popular não deverá aceitar uma ação iniciada por uma das partes se as partes houverem concluído uma convenção arbitral, salvo se a convenção arbitral for inválida.


A lei chinesa não cria a obrigação de que todas as arbitragens sejam conduzidas em território nacional e a sentença arbitral estrangeira poderá ser executada prontamente (não há a necessidade de homologação por um tribunal). Todavia, o juiz pode negar cumprimento ao laudo se considerar que a decisão viola normas peremptórias internas.
A China desestimula, contudo, a recusa do cumprimento de laudos arbitrais estrangeiros com base na ordem pública. Os tribunais chineses obedecem a um mecanismo segundo o qual, caso desejem recusar o cumprimento de um laudo arbitral estrangeiro, devem primeiro obter autorização de um tribunal superior. Após a implantação deste sistema, em 1995 , pouquíssimos laudos estrangeiros tiveram o seu cumprimento frustrado.
Outro ponto notável é que a lei chinesa, a fim de incentivar a utilização de instituições de arbitragem e aprimorar, desta maneira, a assistência recebida pelas partes, proíbe as arbitragens ad hoc. As partes sempre devem levar sua disputa a uma instituição arbitral regularmente constituída

Artigo 6
Uma comissão de arbitragem deverá ser selecionada pelas partes por acordo.
A jurisdição por sistema de níveis e o sistema de jurisdição distrital não se aplicam à arbitragem.

A CIETAC - China International Economic and Trade Arbitration Commission - é uma das instituições mais conhecidas.

4.3 A Arbitragem na Índia

Na Índia, a lei que regula a arbitragem é a Lei de Arbitragem e Conciliação de 1996, que revogou a lei de arbitragem anterior, de 1940, a fim de melhor se adequar à Lei Modelo de Arbitragem da UNCITRAL e à dinâmica dos negócios internacionais. Além disso, outras leis internas também são relevantes, como o seu Código de Processo Civil, de 1908 (Civil Procedure Act).
O caráter modernizante da Lei de Arbitragem de 1996 foi reconhecido pela Suprema Corte Indiana no caso Konkan Railway Corporation versus Mehul Construction Co.:

“Para atrair a confiança da comunidade mercantil internacional e [atender] às necessidades do crescente volume dos relacionamentos comerciais e negociais da Índia com o resto do mundo após a nova política de liberalização adotada pelo governo, os parlamentares indianos convenceram-se a adotar a Lei de Arbitragem e Conciliação de 1996 conforme o modelo da UNCITRAL; daí advém que, ao interpretar as provisões da Lei de 1996 as cortes não devem ignorar os objetivos do diploma. Uma comparação simples entre as diferentes provisões da Lei de Arbitragem de 1940 e da lei de Arbitragem e Conciliação de 1996 indica, inequivocamente, que a Lei de 1996 limita a intervenção judicial ao mínimo . (Sumeet Kachwaha; THE ARBITRATION LAW OF INDIA: A CRITICAL ANALYSIS; Asia International Arbitrational Journal, Volume 1, Number 2, Pages 105-126.) (tradução nossa)


A Lei de Arbitragem de 1996 aplica-se também à arbitragem Internacional. A seção 2(1)(f) define Arbitragem Comercial Internacional como aquela relativa a disputas nascidas de relações jurídicas consideradas comerciais segundo o Direito Indiano, e em que pelo menos uma das partes é: uma pessoa física nacional de outro país ou residente em outro país; uma pessoa jurídica registrada em outro país, uma empresa ou associação cujo gerenciamento central e controle estejam num país que não a Índia ou se uma das partes é o Governo de um país estrangeiro.
A Índia admite a possibilidade de executar os laudos arbitrais estrangeiros diretamente perante o tribunal competente, sem necessidade de homologação. De fato, o Artigo 47 da Lei de Arbitragem de 1996 menciona expressamente que, para as arbitragens internacionais executáveis em solo indiano conforme as disposições da Convenção de Nova Iorque, basta à parte apresentar ao tribunal o laudo original da arbitragem, a convenção arbitral e evidências de que se trate de uma arbitragem internacional.
A lei indiana prevê a possibilidade de recusa de execução de um laudo arbitral internacional somente em raros casos, todos em linha com os princípios da Uncitral (Ex: se as partes eram incapazes ou em arbitragens sobre matérias que digam respeito à ordem pública indiana).

4.4 A Arbitragem na Rússia

A arbitragem comercial na Rússia possui um histórico de mais de um século de tradição. Atualmente, há uma lei destinada especificamente à arbitragem internacional, a Lei Federal sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 1993, inspirada amplamente na Lei Modelo de Arbitragem da UNCITRAL.

Arbitragens ad hoc são permitidas na Rússia, ainda que seja mais comum o envio a instituições de arbitragem, como a Corte de Arbitragem Comercial Internacional da Câmara de Comércio e Indústria de Moscou. Curiosamente, a Câmara de Comércio de Estocolmo, na Suécia, também é uma escolha tradicional na resolução de disputas relativas a investimentos estrangeiros na Rússia.

4.4.1 Escopo de aplicação

O Art. 1 da lei de arbitragem comercial internacional delimita bem o âmbito de aplicação da arbitragem internacional:


Disputas resultantes de relacionamentos contratuais ou outras relações civis que surjam no curso do comércio exterior ou outra forma de relações econômicas internacionais, desde que o domicílio de pelo menos uma das partes situe-se no exterior, assim como

Disputas entre empresas que tenham capital estrangeiro, entre associações internacionais e organizações estabelecidas no território da federação russa; disputas entre os membros de tais entidades, disputas entre as referidas entidades e quaisquer outras pessoas sujeitas às leis da Federação Russa.


4.4.2. Matérias não arbitráveis


Embora a lei de arbitragem internacional permita a arbitragem em matérias virtualmente ilimitadas, desde que incluídas na esfera comercial, a lei interna de arbitragem da Rússia (O Código Arbitral da Federação Russa) apresenta uma lista considerável de matérias sobre as quais não é possível afastar a jurisdição estatal regular.

São elas :
1. Assuntos da administração e ordem públicas (Ex: disputas tributárias);
2. Falências;
3. Constituição e liquidação de pessoas jurídicas;
4. Disputas entre companhias e seus acionistas ou cotistas;
5. Disputas sobre fundo de comércio.

Caso uma das partes do conflito seja uma entidade estrangeira, a lista de jurisdição exclusiva estende-se também aos conflitos sobre:

1. Propriedade estatal, incluindo privatizações;
2. Imóveis;
3. Registro de marcas e patentes;
4. Registros públicos.

A avaliação dessas matérias revestir-se-á de grande importância por ocasião da execução de laudos arbitrais estrangeiros. Mais detalhes no tópico 4.4.4.

4.4.3 Escolha da lei aplicável

O artigo 28 da lei de arbitragem internacional da Rússia franqueia às partes a escolha da lei substantiva aplicável ao conflito.
A redação do artigo merece elogios, pois embute também outras regras extremamente úteis. São elas: (i) caso as partes não indiquem a lei aplicável, o tribunal aplicará a lei de conflito de leis que julgar adequada para determinar qual lei material regerá a arbitragem; (ii) em todos os casos, o tribunal deve decidir de acordo com os termos do contrato e com os usos do comércio aplicáveis à transação.


4.4.4 Execução de laudos arbitrais internacionais

A lei russa é extremamente favorável à execução de laudos arbitrais estrangeiros. Tanto pelas disposições próprias da Lei de Arbitragens Internacionais quanto pela aplicação da Convenção de Nova Iorque de 1958.
As razões para a negação de execução de um laudo arbitral estrangeiro são basicamente as mesmas elencadas pela lei modelo da Uncitral, incluindo incapacidade das partes e vício na formação do tribunal arbitral.
Duas exceções, contudo, são causa de preocupação. O parágrafo 2º do artigo 36 menciona que não serão executados os laudos que versem sobre matérias não passíveis de arbitrabilidade segundo a lei russa ou que seja contrária às políticas públicas (ou normas públicas).
Essas duas últimas exceções foram, em diversos casos, utilizadas por cortes russas para negar exequibilidade a laudos prima facie legítimos. Situações como essas renderam às cortes do país a reputação de serem hostis aos laudos proferidos em outros países.
Para ilustrar o caso, cite-se um artigo publicado sob os auspícios da Associação dos Advogados dos Estados Unidos :

Uma vez que a lista de razões para a recusa de execução é limitada pela Convenção de Nova Iorque, a violação da ordem pública frequentemente serve como a ultima ratio para a rejeição da execução. Em algumas instâncias, a ordem pública é entendida pelos tribunais muito vagamente. Um caso notório tem sido mencionado tantas vezes entre advogados e pela mídia que se tornou praticamente uma anedota. No caso United World Ltd. v Krasny Yakor (Red Ancor) a corte negou exequibilidade a um laudo arbitral cujo valor era menor que 40 mil dólares sob a alegação de que tal execução levaria a Red Ancor à falência, causando sérios danos à economia regional da sede da empresa e também à economia russa. Portanto, esses danos estariam em conflito com os interesses públicos da Rússia.


Apesar de o caso citado ser bastante dramático, o fato é que, recentemente, a execução de laudos arbitrais estrangeiros na Rússia tem se tornado mais frequente e livre de surpresas , indicando avanços na percepção das cortes sobre a importância deste valioso instrumento das relações comerciais internacionais.


4.5 A Arbitragem no Brasil

A lei de arbitragem brasileira (Lei n° 9.307/1996) é claramente inspirada nos princípios da Uncitral. Seu ponto mais polêmico e capaz de gerar interesse para operadores estrangeiros é a questão da diferenciação entre cláusula arbitral e compromisso arbitral.
A fim de principiar o estudo dessa diferenciação e das peculiaridades da formação da arbitragem no Brasil, evidencia-se necessário percorrer as definições preliminares trazidas pela Lei de arbitragem.

Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

Existindo cláusula arbitral (que deve tomar a forma escrita), o início do procedimento arbitral configura-se com a manifestação da parte interessada na instituição do juízo arbitral, cabendo à outra ou outras partes, pronunciarem-se. Concordando em cumprir o pactuado, procede-se à nomeação dos árbitros, em consonância com o que foi estabelecido na cláusula arbitral, dispondo a lei que se considera “instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro único, ou por todos, se forem vários” (art. 19)
Tem-se, pois, que o compromisso arbitral constitui ato precedente, com a manifestação da parte interessada de seu desejo de instituir o juízo arbitral, com base na obrigação prevista na cláusula compromissória. Caso a outra parte a isso se recuse e não tendo a cláusula disposições preventivas acerca dessa possibilidade, restará impedida a instituição do juízo arbitral.
O caminho que resta ao interessado é o de provocar o Judiciário, mediante distribuição de ação judicial, pedindo a citação da parte renitente para comparecer em juízo e firmar o compromisso arbitral.
Esta ação seguirá o rito ordinário e terá prosseguimento normal, inclusive na esfera recursal. Todavia, por força do artigo 520 do Código de Processo Civil:

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.

Conclui-se que a apelação eventualmente interposta não terá efeito suspensivo, possibilitando assim, o prosseguimento da arbitragem enquanto não há sentença definitiva na esfera judicial. Em termos práticos, porém, vislumbra-se que raramente as partes quererão iniciar um procedimento arbitral sem que haja certeza quanto à sua validade e posterior possibilidade de execução.
Constata-se, portanto, que a Lei 9.307 não eliminou a necessidade do compromisso arbitral, uma vez que previu até mesmo uma ação judicial para suprir sua celebração. Tal fato é muito criticado pela doutrina, que considera esse modelo uma herança ultrapassada da dicotomia legal anterior, que, na contramão das legislações mais avançadas, traça diferença entre cláusula compromissória e compromisso arbitral.
O art. 6º da Lei prevê que a parte interessada em instituir o juízo arbitral, com base em uma cláusula compromissória, deverá convocar a outra “para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral” Conclui-se, desse dispositivo, que a cláusula, em caso de recusa de sua observância, não enseja, por si só, a instituição da arbitragem, sendo necessário sempre o compromisso.
Nesse ponto, a doutrina faz uma ressalva, apontando que, se for estabelecido que a arbitragem observará normas de alguma entidade especializada ou contiver previsão de outra forma para instituição do juízo arbitral, prevalecerá o convencionado.
Como exemplo próximo de norma institucional, pode-se mencionar o regulamento interno da Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB , situada em Belo Horizonte, que sobre o assunto dispõe:

2.7 As partes e o(s) árbitro(s) deverão firmar o compromisso arbitral nos 7 (sete) dias que se seguirem à convocação da CAMARB para fazê-lo, devendo, no mesmo ato, efetuar o pagamento da Taxa de Administração e depositar os honorários do(s) árbitro(s).

2.8 Se qualquer das partes, tendo celebrado cláusula compromissória que designe o Regulamento de Arbitragem da CAMARB para reger a arbitragem, ou, após concordar com a instauração da arbitragem administrada pela CAMARB, deixar de indicar seu árbitro e o respectivo suplente, ou deixar de firmar o compromisso arbitral, nos prazos acima estipulados, o Conselho Diretor da CAMARB poderá, conforme o caso, designar o árbitro não indicado por uma das partes, ou árbitro único para a solução do litígio, dentre os nomes que integrarem sua Lista de Árbitros. Se for o caso, a Secretaria Geral da CAMARB convocará novamente a parte faltante para subscrever o compromisso arbitral, no prazo de 7 (sete) dias contado do recebimento da convocação.

2.9 Decorrido o prazo previsto no item precedente, e persistindo a omissão de alguma das partes em firmar o compromisso arbitral, a(s) outra(s) parte(s) poderá (ão):
(i) requerer, na forma da lei, a citação da(s) parte(s) omissa(s) para comparecer em juízo a fim de firmar (em) o compromisso arbitral, ou
(ii) desde que a cláusula compromissória determine a aplicação do Regulamento de Arbitragem da CAMARB, requerer a esta que promova o andamento da arbitragem, devendo a parte revel, neste caso, ser intimada de todos os atos procedimentais, podendo, a qualquer tempo, assumir o procedimento arbitral no estado em que este se encontrar. (grifo nosso)

Todavia, nada dispondo a cláusula compromissória sobre o assunto, há necessidade do compromisso antes do início do procedimento arbitral. Se houver recusa da outra parte em firmá-lo, aplica-se o procedimento do art. 7º, com requerimento ao Juiz para citar a parte resistente “para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso”. Mantendo-se a recusa, ou não concordando as partes com os termos do compromisso, decidirá o Juiz, após ouvir o réu, sobre o seu conteúdo (art. 7º, §3º).

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.

Quanto à previsão do firmamento judicial do compromisso arbitral, cabe mencionar o posicionamento de José Carlos de Magalhães:

Percebe-se, claramente, a dificuldade do legislador, ao insistir em manter a desnecessária exigência do compromisso. Não se pode convocar alguém para firmar um contrato –como é o caso do compromisso - cujas cláusulas não foram negociadas. Compromisso não é contrato de adesão, nem se pode obrigar uma parte a firmá-lo, se com ele não concordou; constitui o compromisso instrumento resultante de negociações e de acordo de vontades. O compromisso, na verdade, é negócio bilateral pelo qual as partes pactuam a resolução de uma controvérsia sobre bem disponível, de caráter patrimonial, por terceiros, sem a intervenção do Judiciário. Daí porque a infeliz disposição do artigo 7º, ao prever a citação da parte renitente para “lavrar o compromisso”, pode suscitar dúvidas quanto ao caráter voluntário da arbitragem, assumindo feições de arbitragem imposta, contrariando-lhe as características principais. (...) Se a cláusula arbitral possui compulsoriedade, não haveria, a rigor, necessidade de compromisso, somente exigível quando não exista a obrigação previamente pactuada no contrato. O compromisso destinar-se-ia apenas e tão somente a estabelecer as normas de procedimento não previstas na cláusula e, nesse caso, para suprir a lacuna bastaria aplicar normas processuais de caráter supletivo, como as previstas nos artigos revogado do Código de Processo Civil, não substituídos por outros pela lei atual. Tais normas preexistem ao contrato e, assim, à cláusula arbitral; são de prévio conhecimento das partes, o que não ocorre com decisão judicial que estabelece os termos do compromisso e com os quais podem não concordar (MAGALHÃES, 2001, p.159).

Fato é que, judicial ou extrajudicial, o compromisso há de ser, via de regra, prestado antes de iniciada a arbitragem. Nesse sentido, é imperioso apontar o art. 10 da Lei 9.307, que prevê:

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:
I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;
II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;
III - a matéria que será objeto da arbitragem; e
IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

Este artigo será fundamental para o desenvolvimento da arbitragem. Em primeiro lugar, porque seus requisitos são obrigatórios. De fato, a doutrina aponta que, à falta desses requisitos, haverá nulidade do compromisso, e conseqüentemente de toda a arbitragem.
Em segundo lugar, tem-se que o inciso IV do artigo citado é da maior importância, uma vez que do lugar da emissão da sentença arbitral dependerá a definição acerca do caráter internacional da arbitragem, por força do parágrafo único do art. 34 da Lei de Arbitragem:

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional. (Grifo nosso)

Com efeito, aponta a doutrina que o local dos procedimentos probatórios e processuais é incapaz de definir a nacionalidade da arbitragem. Nem mesmo o lugar de execução da decisão terá qualquer influência sobre o caráter internacional do procedimento. Para tanto, o requisito essencial é o local onde será proferida a sentença.
O caráter nacional ou internacional do laudo arbitral, por sua vez, é importante porque as sentenças arbitrais estrangeiras deverão ser homologadas pelo STJ (e não mais pelo STF, por força da Emenda Constitucional n. 45) antes de sua execução no Brasil. Para tanto, a lei estabelece alguns requisitos:

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:
I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;
II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; Grifo nosso.
III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;
IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;
V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;
VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada. (Grifo nosso)


Por outro lado, uma sentença arbitral proferida no Brasil, em conformidade com a Lei n° 9.307/1996, ainda que trate de um contrato internacional, não precisará ser homologada pelo STJ, podendo ser executada prontamente. Desta maneira, caso seja desejável a execução de uma sentença arbitral no Brasil, recomenda-se que ela seja proferida em território nacional. Esta, de fato, tem sido a prática adotada por várias empresas.

4.6 O Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais pelos Países do BRIC e a Convenção de Nova Iorque de 1958

Em relação a este tratado, Rússia, China e Índia adotaram a reserva de que somente reconheceriam os laudos arbitrais de Estados partes , algo que não implica prejuízo no âmbito dos BRICs, já que todos são partes da convenção. A China e a Índia, contudo, adotaram também a reserva de que somente reconheceriam as sentenças arbitrais estrangeiras caso estas fossem relativas a contratos de comércio, definidos como tais conforme o seu Direito interno. O Brasil não adotou nenhuma reserva, mas o seu Direito interno somente reconhece as sentenças arbitrais relativas a direitos patrimoniais disponíveis, ainda que não meramente sobre questões comerciais.
Entretanto, devemos notar que isto não significa necessariamente que estes laudos arbitrais serão reconhecidos de imediato, uma vez que, conforme o princípio básico do Direito Internacional Privado, as sentenças estrangeiras não podem violar a ordem pública interna. Devem-se sempre observar, portanto, elementos fundamentais como a citação da outra parte, a pertinência da decisão aos limites do acordo arbitral e o cuidado para que não se arbitrem temas versando direitos indisponíveis.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os países BRIC, deram-se súbita conta de sua importância e similaridade, como que acordados por um observador externo.
É triste que não haja ainda unanimidade entre os países em relação a diversas convenções internacionais importantes para o comércio. Felizmente, todos os países do bloco mostram-se receptivos à arbitragem, o que é uma maneira de contornar esse empecilho. Nesse sentido, pode-se dizer que os empresários possuem uma opção segura e confiável para solucionar conflitos em seus contratos.
Aos advogados e empresários, cabe atentar para as vozes pioneiras que exploram meios de viabilizar, com as ferramentas já existentes, um nível mais alto de integração.
Dentre elas destaca-se o professor Dr. João Baptista Villela, que contribuiu para a elaboração dos princípios UNIDROIT, além de ter traduzido o texto final para o português. (deixo de mencionar aqui inúmeras outras contribuições que este emérito jurista legou ao desenvolvimento do Direito Privado). O Prof. Villela defende que os princípios UNIDROIT devem ser utilizados pelos juízes de todo o mundo como verdadeiros princípios gerais do Direito. A só difusão desta doutrina facilitaria enormemente a relação jurídica entre os países do BRIC.
Mencione-se o nome do Professor Bruno Wanderley, Doutor da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e incentivador do estudo dos Contratos Internacionais. Também cito o Grupo de Estudos do Direito do Comércio Internacional – GEDICI, ligado à UFMG e do qual tenho o orgulho de ser membro fundador. Este grupo tem produzido trabalhos notáveis na área de arbitragem internacional.
Por fim, é preciso aproveitar o momentum dos recentes acordos de cooperação e das declarações conjuntas emitidas pelo BRICS para reparar a ainda precária infra-estrutura jurídica que rege a relação entre eles, buscando aprimorá-la. Assim, tornar-se-iam mais fluidas as relações entre os membros deste bloco econômico tão promissor.









REFERÊNCIAS

DHOLAKIA, Shishir. Ratifying the CISG - India's Options. Presented in "Celebrating Success: 25 Years United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods" (Collation of Papers at Uncitral - Siac Conference 22-23 September 2005, Singapore).
FLECHTNER, Harry. The United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods. Online lecture at UN Audiovisual Library of International Law.
GAMA JR., Lauro. A hora e a vez da Convenção de Viena. Jornal Valor Econômico, 22.09.2009.
MAHAJAN, Ruchi; MOHAN, Jai. Proposed amendments to arbitration law in India: implications and effect. The In-House Lawyer, 10.06.2010. http://www.inhouselawyer.co.uk/ index.php/india/8046-proposed-amendments-to-arbitration-law-in-india-implications-and-effect
MAJUMDAR, Indraneel Basu; JHA, Srishti. A Comparative Overview between the CISG and Indian Contract Law. 5 Vindobona Journal of International Commercial Law & Arbitration (2001), pp. 185-211. http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/majumdar.html
ZELLER, Bruno. CISG and China. In.: WILL, Michael R. (ed.). The CISG and China: Dialog Deutschland-Schweiz VII, Faculté de droit, Université de Genève, 1999, pp. 7-22.

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